Já se disseram muitas coisas sobre o tempo: que ele corre, cura, voa, que não espera por ninguém. No fundo, a nossa relação com o tempo é tensa. É talvez o nosso bem mais precioso, mas algo que nos escapa e contra o qual muitas vezes se corre. Depois de uma pandemia que nos privou de tanto, muitas pessoas repensaram a forma de lidar com o tempo, seja pela maior sensibilidade ao equilíbrio entre vida pessoal e familiar, seja pela pressa de recuperar o tempo perdido para as limitantes rotinas pandémicas. Para outros, o pós-pandemia pode ser um regresso ao viver apressadamente. Em qualquer dos casos, parece haver um sentimento de que se vive a uma velocidade cada vez maior.
Mas, afinal, de onde vem tamanha pressa e que problemas pode trazer para a saúde?
A preocupação com o tempo não é propriamente uma invenção dos tempos modernos. Já em 1500 a.C., os egípcios procuravam formas de medir a passagem do tempo e na antiguidade havia já uma noção social da importância de se ser pontual, muito antes do primeiro relógio mecânico ou do primeiro despertador. A grande revolução na forma de viver o tempo chega não apenas com a capacidade de medir a sua passagem de forma muito precisa (bastante mais do que com os relógios de água usados pelos egípcios!), mas sobretudo com a velocidade a que tudo pode acontecer na sociedade moderna. Ainda são precisas algumas horas para viajar até o outro lado do planeta, mas a informação pode chegar a quase qualquer lugar de forma praticamente instantânea.
Com a crescente velocidade da informação (por exemplo, entre 2020 e 2023 a velocidade da internet a nível global praticamente duplicou), cresce paradoxalmente alguma impaciência em esperar, por exemplo, por um download. Se no plano digital parece não haver rapidez demais, a alta velocidade parece tomar conta também da vida quotidiana. Ao longo das últimas décadas, os investigadores têm-se interessado cada vez mais por esta forma de aceleração. A que nos faz viver – ou sentir que se vive – a um ritmo exagerado ou simplesmente desfasado daquele que parece ser o compasso natural das coisas.
Pode ser difícil definir (e sobretudo medir) algo como o ritmo de vida, mas é relativamente simples perceber quando se está num lugar onde as pessoas vivem a uma velocidade diferente da nossa. Pode ser algo tão simples como a forma de caminhar, mais vagarosa ou apressada, ou a maior ou menor liberdade com que os relógios são coordenados (nada denuncia melhor o desprezo pela pressa como um relógio público parado ou atrasado).
Em qualquer lugar do mundo, o tempo passa da mesma maneira, mas a nossa perceção não. Para muitas pessoas, essa perceção é a de que hoje tudo acontece mais depressa do que devagar. Quando assim é o tempo voa, escasseia e as vinte e quatro horas do dia parecem poucas para o que há a fazer. Na mesma medida em que se acelera o passo para acompanhar o ritmo, atividades como comer, fazer exercício, ou estar com a família e amigos passam a ser atividades que se despacham e não algo que se vive ou desfruta.
O ritmo de vida tem um quê de preferência: há quem se sinta confortável na rapidez, há quem procure a calma e há quem prefira coisas diferentes em momentos diferentes. O problema está sobretudo em quando o ritmo deixa de ser uma escolha e a aceleração se torna um fator de stress. Neste aspeto, a ciência ainda está a descobrir os malefícios da pressa, mas alguma investigação tem mostrado associações entre um ritmo de vida mais acelerado e comprometimentos em indicadores de bem-estar, no equilíbrio entre vida pessoal e profissional, ou até mesmo no risco de desenvolvimento de doença coronária.
Numa tentativa de fugir a esta “tirania” da aceleração, várias pessoas têm procurado oportunidades para abrandar as suas vidas. Há exemplos disso em movimentos culturais como o slow movement, que defende a necessidade de respeitar o ritmo natural das pessoas, viver o momento presente com consciência e fruir a vida. Atualmente, o movimento slow soma adeptos por todo o mundo, incluindo Portugal. Por exemplo, um estudo da Universidade Católica Portuguesa, conduzido em 2019, revelou que nove em cada dez inquiridos demonstravam interesse pelas ideias do estilo de vida slow, ainda que apenas quatro considerassem seguir estes princípios no seu dia-a-dia.
Abrandar não é fácil. Pode exigir escolhas e cedências difíceis e enfrentar a vergonha e a culpa por não fazer mais, produzir mais, produzir mais depressa. Por outro lado, desacelerar pode ser uma das decisões mais importantes que se pode fazer. Viver de forma slow não implica fazer tudo mais devagar. É, antes, uma tentativa de encontrar o ritmo certo e um equilíbrio saudável num tempo em que tudo parece apressado. Se o tempo é um dos bens mais preciosos, é preciso agir como tal. Isto implica que cada pessoa contribua para criar lares, locais de trabalho, cidades ou até nações mais amigas do tempo de cada um. Amanhã, experimente abrandar.
David Guedes é psicólogo, formado em Psicologia Clínica e da Saúde pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e doutorado em Psicologia pelo ISCTE, onde desenvolve atualmente investigação. O seu trabalho tem sido dedicado ao estudo e promoção de comportamentos e práticas mais saudáveis e sustentáveis, sobretudo na área da alimentação.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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