A ordem internacional pode continuar a assentar no poder das Ideias de Liberdade e Democracia se souber responder às dúvidas que se levantam relativamente à “Pax Americana” e à incerteza associada ao regresso da multipolaridade.

Para isso, é necessário que haja uma aproximação de comportamento entre sociedades abertas: se os EUA promoverem uma visão multilateral do Mundo e se os seus aliados, incluindo Portugal, contribuírem para o “hard power” militar e tecnológico como complemento ao “soft power” das leis, diplomacia e desenvolvimento.

A ordem internacional funciona com base em Ideias, Poder e na ligação entre ambos. O Poder resulta dos efeitos que o comportamento das potências tem na capacidade dos diferentes estados em determinar o seu próprio futuro. As ideias resultam de convicções e crenças que podem determinar o comportamento de estados e de outros agentes, e em que o seu impacto depende de relações de poder e da sua institucionalização em regras e normas.

As ideias podem potenciar ou limitar as relações de poder, e enquadram-se numa visão pluralista que depende da cooperação entre estados, acordos formais, intercâmbio de informação e interdependência económica.

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A História mostra que Ideias e Poder são necessários para explicar a organização da ordem internacional. A Atenas clássica “marítima”, a organização e a lei do Império Romano, a sociedade “comercial” do Império Britânico, a Alemanha Nazi, a Democracia Liberal do domínio norte-americano ou o totalitarismo Soviético, em todos estes casos se juntaram Ideias e Poder nas relações internacionais.

Mas há uma diferença fundamental que se pode apresentar recorrendo ao que Popper designou de sociedades abertas. A transição de sociedades fechadas para abertas consiste no abandono de sociedades orgânicas em que predominam relações biológicas e que se caracterizam pela sua “organização tribal, colectivista ou pelo componente mágico”, e pela adopção da critica racional assente na liberdade individual e no humanismo universalista.

Nesta perspectiva, tanto a Atenas clássica, como o Império Britânico ou o domínio norte-americano, bem como Portugal no pós-25 de Abril e no pós-25 de Novembro, se distinguem por não seguir os princípios das sociedades fechadas, nomeadamente a autarcia tribal ou económica, o anti-individualismo e o anti-humanitarismo.

A União Soviética e a Alemanha Nazi não seguiam o tribalismo no sentido antropológico, mas substituíram-no por uma utopia colectivista baseada no racionalismo acrítico e/ou num romantismo lendário equivalente ao imaginário nas tribos antigas.

Esta diferença é importante para perceber o funcionamento atual da ordem internacional. A transição para sociedades abertas representa um ganho da importância das Ideias relativamente ao Poder, sem significar que o Poder deixa de ser relevante.

A ordem internacional surgida após a 2ª Guerra Mundial compõe-se por três pilares – organizações e lei internacional, interdependência económica e a expansão da democracia e da autodeterminação nacional – que criaram as condições para uma paz Kantiana entre sociedades abertas.

Desafios para a ordem internacional

Mas a ordem internacional é frágil e inconstante e, como mostra a História recente de Comunismo e Fascismo, a sua direção não é necessariamente aquela que frequentemente é tomada como certa, a do progresso no sentido das luzes e do aprofundamento da Liberdade e da Democracia.

Atualmente, as circunstâncias parecem estar a mudar tornando evidente não existir consenso sobre regras e limites na ordem internacional, apesar de cada estado continuar a participar nos assuntos de interesse mútuo e, frequentemente, partilhar responsabilidades entre si.

A estabilidade da ordem internacional está a ser questionada pela “retirada” norte-americana de potência hegemónica promotora da Liberdade e da Democracia, e que questiona o papel e a legitimidade de organizações internacionais, e é acompanhada pela fragmentação do poder via ascenção de países despóticos e totalitários – China, Rússia ou Irão -, pela afirmação de lideranças regionais como Índia, Alemanha, Brasil ou Turquia, e pelo surgimento do iliberalismo em países como Hungria, Polónia ou Venezuela.

A complexidade da ordem liberal aumenta ainda com a crescente pluralidade de agentes e interesses, e com uma polarização dentro das sociedades abertas que traduz várias falhas: do sentido de representação em resposta ao voto; de segurança económica pelo desemprego e globalização; do sentido espiritual e de pertença por desvalorização de referências tradicionais e comunitárias através da imposição de mudanças culturais e do confinamento de práticas familiares e religiosas; de sentido de segurança por terrorismo ou alterações climáticas; de autoestima e realização pessoal por expectativas não concretizadas.

Estas falhas estão associadas ao ressurgir de ideologias antiliberais e de movimentos antielitistas e populistas igualitários e xenófobos, que colocam em causa a expansão da ideia de sociedade aberta.

A China é actualmente o maior risco para a ideia de sociedade aberta. A promoção da liberalização económica por Deng Xiaoping ligou ao exterior um país marxista dividido após a Revolução Cultural, que via com muita desconfiança o capitalismo ocidental. Esta transformação permitiu um crescimento económico sem paralelo na história chinesa, mas “esmagando” todos os que quiseram uma abertura política. A China, uma sociedade fechada na lógica “Poppereana”, é hoje um modelo alternativo à Democracia Liberal para os países menos desenvolvidos, em que Liberdade, Democracia e dignidade do ser humano não são valores relevantes. Entre Marx e Smith, a China manteve-se fiel ao primeiro.

O sucesso económico da China ilustra o problema com que se defrontam actualmente as sociedades abertas e a dificuldade em escolher uma resposta. Não é evidente se se assiste a uma redefinição de como governar a ordem internacional ou ao surgimento de um período de muita instabilidade, como nos anos 1930, em que o perigo de guerra vai aumentar.

Como conciliar Ideias e Poder no futuro

Para funcionar, a ordem internacional requer uma liderança que lhe dê estabilidade e três características, onde se associam Ideias e Poder: regras comumente aceites e acordos sobre a sua forma de funcionamento, uma fonte de poder para garantir o uso dessas regras e reivindicação da sua legitimidade e justiça.

Perante os desafios, a ordem internacional baseada na Liberdade e na Democracia necessita de uma renovação. O Ocidente foi capaz de se reinventar a seguir à 2ª Guerra Mundial, e as sociedades abertas têm de se renovar novamente. Portugal deverá ter um papel activo nesta renovação.

A primeira condição é uma resposta consolidada ao apelo que Winston Churchill fez em 1946 à unidade do Ocidente contra o perigo totalitário da sociedade fechada soviética. Esta unidade deve consistir num pacto de cooperação entre sociedades abertas que fortaleça regras comumente aceites e acordos sobre a forma de funcionamento da ordem internacional.

Este pacto não pode consistir numa imposição de regras mas deve basear-se num acordo entre povos livres e soberanos, e entre estados assentes em regimes democráticos onde as populações tenham proximidade suficiente para compreender e aprovar esta decisão.

No contexto europeu, este pacto é incompatível com o centralismo supranacional, não só porque tende a promover o antiamericanismo como característica identitária, tornando-se um obstáculo a relações atlânticas saudáveis e duradouras, como representa uma perda de autonomia e de legitimidade democrática em países como Portugal, o que se tornaria contraproducente. Por isso, os estados deverão ser sempre livres de actuar e de recusarem os acordos no futuro.

Mas para que o pacto se concretize é condição necessária a sua aceitação e promoção pela potência dominante, os EUA. O acordo é compatível com a redução da sua presença no exterior, como parece ser desejo da sociedade norte-americana, mas requer que os seus aliados democráticos assumam um papel mais activo na defesa da ordem internacional.

A segunda condição é uma base de poder que garanta o uso dessas regras a nível internacional. Os EUA são a única potência que associa o poder militar (hard power) com as instituições liberais (soft power). Por isso, os seus aliados, incluindo Portugal, têm de demonstrar querer contribuir para a reinvenção da ideia de sociedade aberta reduzindo o gap face aos EUA. Note-se que os recursos económicos não serão uma barreira. Países como Alemanha, Reino Unido, França, Brasil, Japão, Canadá ou Coreia do Sul são maiores em termos económicos do que a Rússia.

O reforço do poder militar dos países aliados poderia ser feito no âmbito de um alargamento do conceito da NATO, estendendo o apelo de Churchill a países democráticos do Oriente com quem EUA e Europa têm alianças de defesa (Austrália, N. Zelândia, Japão) ou com quem fazem exercícios militares (Índia). Numa altura em que o centro da ordem internacional se desloca para Oriente, esta aliança não deve cingir-se ao Atlântico mas incluir Índico e Pacífico (a própria NATO já actua em países como o Iraque).

Este alargamento torna mais complexa a gestão das relações entre sociedades abertas e também pode ser visto como uma ameaça por sociedades fechadas, como China e Rússia. Mas a ideia da NATO é um sucesso há 70 anos como aliança de defesa, e poderia ser complementada pelo reforço da ajuda ao desenvolvimento dos países mais pobres que progridam em direção a sociedades abertas.

A terceira condição consiste na reivindicação permanente da legitimidade e justiça dos valores que presidem à ordem internacional – a Liberdade e a Democracia – por todas as sociedades abertas. Estes são os valores ocidentais que europeus e norte-americanos partilham, mesmo que com nuances em parte associadas ao gap de poder existente.

Esta reivindicação requer desenvolvimento económico e poder militar e deve ser realizada em paralelo com as duas condições anteriores, realçando valores comuns e uma ética de responsabilidade individual e de virtudes cívicas como defesa contra a sociedade fechada, mas preservando a herança cultural de cada estado.

A reivindicação passa também pela abordagem dos problemas associados ao desenvolvimento económico, designadamente impactos ambientais, e questões sociais como a demografia ou a renovação de referências comunitárias e familiares.

Finalmente, a conciliação de Ideias e Poder no futuro da ordem internacional requer ainda uma liderança inteligente e determinada, como a demonstrada por Reagan, Thatcher e Papa João Paulo II na derrota do totalitarismo comunista.

A resposta à instabilidade e às ameaças requer uma liderança em que Poder e Ideias sigam em paralelo para garantir uma ordem internacional que respeite a autonomia dos povos e continue a extraordinária evolução das condições de vida das populações verificada nos últimos cem anos.

Uma liderança que consiga o consenso alargado necessário nas sociedades abertas e que se enquadre numa estratégia suficientemente abrangente e de longo prazo que vise a promoção da Liberdade e da Democracia.

Uma liderança participada por Portugal que desenvolva a ideia de sociedade aberta e os valores da civilização ocidental, o desenvolvimento baseado na autonomia e responsabilidade individual, a dignidade da vida humana e igualdade perante a lei, e que seja fortalecida pela virtude e participação cívica descentralizada e plural, pela democracia, pela riqueza material via liberdade económica e pelo estado de direito que limite e dê transparência ao governo.

O texto reflecte apenas a opinião do autor

Economista