Quem tiver lido os jornais em Portugal nas últimas semanas, e recomendo que cada vez mais pessoas o façam pela importância da leitura e da informação, terá, muito provavelmente, uma visão preocupante do nosso país. Entrámos, definitivamente, num período de desnorte do governo que a todos deveria preocupar e muito mais grave que aquele que levou Santana Lopes a ser “demitido” por Jorge Sampaio. Continua, ainda, a total impunidade ministerial socialista, onde tudo parece ser permitido sem consequências para os ministros e responsáveis por pastas governamentais.

A morte de um bebé por eventual inexistência de médicos numa urgência de obstetrícia, deu o mote para que o país desmascarasse uma realidade já há muito conhecida. O caos nas urgências só foi ultrapassado pelo caos nos aeroportos e parecia que tudo iria, realmente, ter consequências. Porém, num passe de mágica só ao alcance de ilusionistas predestinados e com maiorias absolutas, nada aconteceu. Criaram-se comissões, criticaram-se as contingências e no final a culpa foi do bacalhau à Brás.

O caos nos aeroportos ou como se mata a “galinha dos ovos de ouro”

Segundo o INE, Abril foi o primeiro mês em que as receitas do turismo ultrapassaram os valores de 2019. As dormidas cresceram 1,6% em número de hóspedes e 1,1% em dormidas, num total de 2,4 milhões de turistas durante esse mês. Um número ainda mais importante foi o aumento dos proveitos totais resultantes destes alojamentos que se fixou nos quase 390 milhões de euros, uma subida de mais de 16% quando comparado com 2019. Para quem gosta de fazer contas, a razão pela qual uma subida de 1,6% no número de pessoas impacta em mais de 16% nas receitas resulta da subida significativa dos preços que todos estamos a sentir.

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Tínhamos assim, em Abril, um número otimista, ao qual se juntava a queda das restrições Covid e as perspetivas positivas que isso trazia para o sector. Outro dado permitia ter esperanças acrescidas: os valores mencionados tinham tido uma contribuição dos turistas nacionais relevante, com um crescimento de mais de 15% face a 2019, enquanto que os turistas internacionais tinham reduzido o seu número em 4,4%. Ou seja, estávamos a crescer e ainda faltavam os estrangeiros e eles estavam a chegar.

Em Maio tínhamos essa perspetiva, tínhamos os indicadores das reservas e tínhamos o tradicional Junho à porta com uma combinação explosiva de feriados que resultaria em férias garantidas. Perante tudo isto, só era necessário planear, programar e deixar o mundo fazer o resto para que o país pudesse capitalizar sobre o seu principal recurso económico: o Sol.

No final de Maio, um plenário do SEF agendado para a hora de maior pico de chegadas de passageiros oriundos de voos fora do espaço Schengen, lançou o aeroporto de Lisboa para filas intermináveis e esperas que chegaram às 4 horas. Uma nota lateral para o facto de os plenários, greves e manifestações terem aumentado desde que terminou a “geringonça”, provavelmente porque os sindicatos controlados por PCP e BE só veem problemas quando outros que não eles estão no poder. Aparentemente a paz pública tem um preço, e esse passa por ter sempre os partidos de esquerda no poder, numa imagem siciliana de “se não estamos no poder, então haverá perturbações nas vidas de todos”.

Poderíamos ter a tentação de pensar que ultrapassado o plenário do SEF, todos os problemas seriam mitigados e não teríamos mais filas. Poderíamos, mas estaríamos errados. Os dias seguintes foram de caos e até levaram o ministro responsável a admitir que poderíamos ter de recusar voos. Importa salientar que 90% dos turistas estrangeiros chega a Portugal de avião e que termos uma realidade tão negativa provoca uma imagem externa que afasta potenciais passageiros com consequências graves para a economia portuguesa.

A culpa é do bacalhau à Brás

A conclusão final foi de falta de pessoal, coordenação e planeamento. Ter acontecido no principal aeroporto nacional no início da época mais importante para o turismo é grave, porém o país aceita porque há sol, há praia e há festas populares. E quando achávamos que toda esta falta de organização poderia estar circunscrita ao aeroporto, existiram portuguesas que, no meio de uma crise de natalidade, decidiram ser mães.

O caos vivido nos aeroportos foi evitado nas urgências de obstetrícia porque estas, simplesmente, estavam fechadas. Num país que se diz desenvolvido, os portugueses foram, novamente, confrontados com a realidade de não existir capacidade de organização capaz de programar, antecipar e solucionar os “constrangimentos” criados pelos feriados de Junho e pelas férias de Verão. Num ápice tudo se repetiu. A culpa é dos sindicatos que não aceitam um aumento pontual de 50€ por cada hora extraordinária acima das 150 horas extraordinários que já são realizadas sem pagamento (um pouco como responsabilizar o SEF pela falta de planeamento e competência de quem decide), a culpa é dos desvios ideológicos que descapitalizaram o SNS em prol das PPP hospitalares, ou a culpa é dos casais que, com garantida má fé, planearam ter um filho no pico da época de férias.

Perante tudo isto, esperava-se uma resposta forte dos responsáveis políticos, algo que oferecesse ao país a garantia que não se voltariam a repetir cenários de urgências fechadas e que o país teria soluções para os problemas na saúde. Parecia algo difícil, pelo histórico, no entanto somos um país católico e milagres é algo a que o nosso povo apela bastante.

Dada a palavra aos responsáveis, a ministra da saúde reconheceu problemas estruturais, mas assumiu que nunca como nos seus governos se investiu tanto no SNS. Garantiu, mas os números dizem o contrário. O valor efetivamente gasto no SNS, que é diferente do valor orçamentado, continua inferior ao aplicado pela governação anterior. Importa ainda salientar que esta diferença ainda se agrava quando pensamos que o peso dos salários aumentou e o custo dos bens e serviços teve uma subida relevante.

Mas se a resposta da ministra foi insuficiente, a explicação da diretora geral da saúde foi desesperante. Segundo a responsável Agosto “não é um bom mês para se ter acidentes ou doenças”. Já sabíamos pelo Quim Barreiros que não era um bom mês para casar e agora ficamos a saber pela dra. Graça Freitas que é um mês péssimo para doenças ou acidentes. Fica a enorme curiosidade para saber qual o mês ideal para termos um acidente. Eu imagino todos os portugueses neste momento a programar o seu próximo acidente sem saber qual o mês ideal para isso e a dúvida impossibilita uma atempada e importante programação e organização, algo aliás que este governo não é claramente especialista.

Como corolário das recomendações aos portugueses, e quando se esperava uma apresentação de alternativas hospitalares, soluções complementares que permitissem suprir as falhas do SNS, ou uma medida de reforço de meios, os portugueses receberam a recomendação que faltava para umas férias em segurança: não comam bacalhau à Brás. Esta recomendação clínica está na linha do “não comam melancia com vinho” ou “não vão ao mar depois de comerem um gelado”. Numa altura em que alguns iluminados querem “cancelar” quem, aparentemente, ofende com o seu humor, não consigo entender como o país não tem a coragem de “cancelar” quem claramente não respeita quem continua a morrer por teimar em recorrer ao SNS.

Portugal precisa de Samurais e do seu código de honra e verdade

A imagem dos samurais está muito associada à guerra e à morte. No entanto, há um lado pouco explorado que vale a pena ser visto: o seu sistema moral. O código dos samurais era a base de todo o seu comportamento, gravando na sociedade uma imagem forte e recheada de valores. Com a paz e o início do designado como período Edo, os samurais puderam centrar-se no desenvolver deste código que assentava em pilares que muita falta nos fazem hoje: misericórdia, honestidade, lealdade, reputação, coragem e respeito.

Num mundo em crise, em pandemia e em guerra, pedem-se políticos que consigam liderar pelo exemplo. Há quem olhe para o passado em busca de estadistas, daqueles que punham a ênfase da sua vida política no servir. Neste ponto, chegamos à base dos samurais: o servir.

Os samurais eram pessoas de poucas palavras, mas onde a palavra tinha um valor inegociável, defendiam a verdade nas palavras e nos atos, e nunca manchavam a sua reputação falhando uma promessa ou uma responsabilidade. Portugal não precisa de estadistas, Portugal precisa de samurais, políticos que saibam estar ao serviço e que liderem pelo exemplo e sempre com a verdade. Portugal precisa e os portugueses merecem.