Portugal, é um belo país! Com um povo generoso, afável e especialista na arte de bem receber! Nós Portugueses somos reconhecidos pelas nossas imensas qualidades, ricos ao nível da nossa diversidade e multiculturalidade. Os nossos profissionais são sobejamente reconhecidos a nível internacional, pelas suas múltiplas qualidades técnicas e científicas. Contudo, não vivemos nenhum conto de fadas. Portugal, no que diz respeito ao trabalho e aos acidentes de trabalho, lidera os rankings internacionais pelos piores motivos. Somos bastante “famosos” pela forma como trabalhamos no nosso país, pelos números negros que registamos todos os anos de forma sistemática ao nível da sinistralidade laboral. Números estes que, mesmo não sendo consensuais, não abonam a nosso favor!
As estatísticas nacionais mostram a evolução dos últimos quatro anos ao nível dos Acidentes de Trabalho Mortais e dos Acidentes de Trabalho Graves registados em território nacional pela Autoridade das Condições de Trabalho e o cenário não é animador. Os Acidentes de Trabalho Mortais registaram os seguintes valores: 124 acidentes mortais em 2019, 136 acidentes mortais em 2020, 140 acidentes mortais em 2021 e 87 acidentes mortais registados até Setembro 2022. Os Acidentes de Trabalho Graves reportados no mesmo período evidenciaram o seguinte comportamento: 546 em 2019, 455 em 2020, 547 em 2021 e 190 registados até Setembro de 2022.
Poderíamos congratularmo-nos pela tendência de queda registada este ano de 2022 ao nível das estatísticas nacionais em matéria de acidentes de trabalho ou, então, deveríamos assumir uma atitude realista face ao panorama. Podemos fazer o exercício de tentar explorar as causas que podem explicar estes números, sendo que as possibilidades devem ser imensas, mas a mim ocorrem-me três bastante prováveis: (1) devem existir muitos acidentes de trabalho cujos processos de investigação e análise de acidentes não estão concluídos, (2) a ocorrência de acidentes graves ou mortais que não foram devidamente reportados pelas empresas e (3) a ausência de uma estratégia nacional para a Segurança e Saúde. Esta “ampla zona cinzenta” permite a proliferação desta promiscuidade que impera em Portugal no que diz respeito à Segurança e Saúde no Trabalho.
Contudo, as notícias que surgem nos vários órgãos de comunicação social reportam a ocorrência quase diária de acidentes de trabalho. No limite fico reticente, mas deve estar a acontecer algo ou é o meu mau feitio? Não é o meu mau feitio, é a ausência total de uma Estratégia Nacional para a Saúde e Segurança no Trabalho que guie e norteie a nossa atuação em contexto nacional, uma vez que a última estratégia nacional esgotou o seu limite temporal em 2020. Tal fato consubstancia a crescente agitação e indignação por parte dos vários parceiros sociais que têm um papel a desempenhar neste domínio. E bem! A legislação é tácita quanto ao papel do governo na figura dos ministérios do Trabalho e da Saúde, tal como quanto ao papel a desempenhar pelos vários parceiros sociais neste domínio específico. E, como já seria expectável, as consequências deste vazio legal já são visíveis. Não existem milagres, a segurança no trabalho é um “trabalho de formiguinha” que necessita de estrutura, de planeamento, de objetivos claros e da correta definição dos recursos financeiros e humanos para empreender o caminho para uma cultura de segurança nacional.
Como não temos prioridades estratégicas para Portugal nesta matéria há aproximadamente três anos, é normal que o nosso desempenho seja este! Se, é grave? Sim, é muito grave! Podemos utilizar a analogia do barco que está completamente à deriva, sem um rumo! Assim, se trabalha em Portugal. Exigimos um rumo, queremos respostas credíveis e sustentadas por parte do governo no sentido de agir em conformidade com os preceitos legais e alinhar com os restantes Estados-Membros. Este alinhamento, surge na sequência da existência do Quadro Estratégico Comunitário para a Saúde e Segurança no Trabalho 2021/2027 em vigor e deveria estar a ser replicado em Portugal através da adoção da Estratégia Nacional para a Saúde e Segurança no Trabalho.
Recorrendo ao ditado popular português que ilustra o momento atual em matéria de segurança no trabalho, “não é possível fazer omeletes sem ovos”. Em termos práticos, não é possível baixar o número de acidentes de trabalho porque não existe um esforço concertado por parte de quem governa em fazê-lo.