Sinto um otimismo “irrealista” em relação ao futuro do trabalho e dos trabalhadores em Portugal, porque nunca se falou tanto em bem-estar (Well-Being), como hoje! Acredito que o caminho para a sustentabilidade passa pelo alinhamento entre o Propósito Individual e o Propósito Organizacional, ou seja, tem de existir um “perfect fit” entre as Pessoas e as Organizações. O bem-estar é a “cola”, ou, se preferirem, é o link que permite agregar valor e alavancar os desempenhos excepcionais que as organizações esperam dos seus profissionais. Mas, para tal, é necessário investir no bem-estar como uma dimensão estratégica para as Pessoas e para o Negócio!

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem realizado um trabalho excecional ao nível da promoção do Bem-Estar e com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030. Este processo ganha corpo com a redação da Carta Magna em 1946 que define a saúde como “Um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.” Esta extensão do conceito de acordo com a OMS permite visualizar a “Pessoa” de forma holística, como sendo uma entidade una e indissociável. Mas acarreta desafios na medida em que não podemos olhar para as pessoas de forma compartimentada, temos de compreender as suas reais necessidades, os seus desafios, as suas ambições, as suas inquietações, as suas expetativas e gerir esta panóplia de dimensões!

Mas para tal são necessários dados e estatísticas que consubstanciem as nossas pretensões. Nesse sentido foram realizados vários estudos ao longo dos últimos anos sobre stress, ansiedade, depressão, Síndrome de Burnout e doença mental, mas gostava de destacar dois: o estudo realizado pela Eachnight (organização britânica) e o estudo realizado pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.

De acordo, com o estudo realizado em 2023 pela Eachnight, os níveis de stress em Portugal colocam-nos no terceiro lugar dos países mais stressados da Europa com 77% da população portuguesa em sofrimento. Sabemos que um fator que contribui para este posicionamento do nosso país é o facto de apenas 56,1% da população se encontrar empregada. Mas, ainda assim, se nos serve de consolo, não somos os piores, porque os vencedores do ranking dos país mais stressado do continente europeu são a Sérvia que ocupa o primeiro lugar, seguida da Letónia e só depois aparecemos “Nós”. A Ordem dos Psicólogos Portugueses em 2022 apresenta o seu estudo e partilha alguns indicadores económicos sobre o impacto do stress na economia:

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  • a perda de produtividade custa às empresas portuguesas 5,3 milhões de euros decorrentes do absentismo e presentismo com origem no stress e nas doenças de saúde psicológica;
  • o custo do stress e das doenças mentais entre 2020 e 2022 aumentou 60% para as empresas de forma global em Portugal.

Posto isto, julgo não ser necessário apresentar mais dados ou argumentos para consubstanciar o meu entusiasmo para com a semana de 4 dias. Acredito, que deve ter sido utilizado “o mesmo” ou um conjunto de argumentos “parecidos” há 80 anos (atrás) quando se passou da semana de 6 dias para 5 dias (fonte: Sexta-feira é o Novo Sábado).

Nesta medida, assistimos a cada vez mais iniciativas organizacionais, que visam promover o bem-estar das Pessoas. Neste ano de 2023 iniciámos em Portugal o projeto piloto da semana de 4 dias (adoro esta ideia!), com a adesão de 41 empresas com um total de 1000 trabalhadores abrangidos pela iniciativa. Os resultados preliminares são fabulosos! Estima-se que a adoção da semana de 4 dias tenha produzido efeitos positivos ao nível da saúde mental dos trabalhadores envolvidos neste projeto pioneiro em Portugal. Como? Os indicadores mais promissores registaram um decréscimo, nomeadamente ao nível de ansiedade (-21%), ao nível de tensão (-21%), o risco de insónia ou os problemas de sono (-19%), os estados depressivos (-21%), os níveis de fadiga (-23%) e a sentimento de solidão (-14%).

Apesar das múltiplas críticas e da falta de apoio manifestada de forma velada, os coordenadores do estudo, o Professor Pedro Gomes (Universidade de Economia de Londres e autor do livro Sexta-feira é o Novo Sábado) e a Professora Rita Fontainha (Universidade de Reading), vêem assim reforçada a sua pretensão de que é possível alavancar a saúde mental dos trabalhadores em Portugal. Este projeto piloto vem sustentar a ideia de que, independentemente da forma que esta semana de 4 dias assuma em contexto organizacional, vinca a ideia de que o bem-estar das pessoas tem impacto na redução dos níveis de stress, de ansiedade, no Síndrome de Burnout e da doença mental.

Com a extensão do tempo de recuperação, aumenta também o tempo para despender ou investir (dependendo da perspetiva) naquilo que realmente importa, que é o nosso tempo pessoal e/ou em família. Este estudo mostra que o nosso “work/life balance” é profundamente influenciado pelo conjunto de práticas organizacionais implementadas nestes contextos complexos e volúveis. Os dados recolhidos na fase inicial do estudo evidenciam que 46% dos trabalhadores “sentiam que era difícil ou muito difícil” a conciliação entre as responsabilidades decorrentes do seu trabalho e as responsabilidades decorrentes da sua vida privada. Contudo, com a redução do horário de trabalho esta sensação de ausência de bem-estar desceu de 46% para 8%. Acredito que estes resultados merecem alguma credibilidade e confiança por parte da gestão estratégica ou de topo das organizações.

Contudo, os coordenadores deste estudo procuram que as empresas e o público em geral reflitam sobre a necessidade de repensar e concomitantemente alterar alguns comportamentos reiterados de forma abusiva pelos colegas, chefias e parceiros. Estes comportamentos abusivos que as empresas procuraram limitar retiram tempo útil, não permitem que os trabalhadores sejam mais produtivos nas suas horas de trabalho diárias. As propostas passam por reduzir e limitar o tempo das reuniões (se possível reduzir o número de reuniões, fazemos muitas reuniões), repensar a forma como o trabalho está organizado, e desenvolver blocos de trabalho para alavancar os níveis de produtividade. Também introduzir novos softwares e a apostar na Inteligência Artificial para automatizar tarefas mais administrativas, para libertar os profissionais para as decisões mais estratégicas ou criativas.

É expectável que muitas empresas se sintam desconfiadas, reticentes e sem vontade de se envolver. Perguntam porquê? Porque a mudança não é um processo natural, temos de nos treinar a permitir aceitar os novos desafios! Sei que falar é fácil, concretizar é mais difícil, mas acredito que empreender é sempre um ato de Fé!

Já agora, temos de acreditar e ter fé, porque é Natal!

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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