Portugal está diante de uma encruzilhada, onde os desafios globais se entrelaçam com questões intrínsecas à sua própria identidade e visão de futuro. Enquanto na arena internacional somos confrontados com a instabilidade geopolítica, o potencial de uma guerra de grande escala e os efeitos da economia global, internamente parecemos estar numa constante crise de ambição e falta-nos a capacidade para abraçar plenamente as oportunidades que se apresentam.

Como em qualquer encruzilhada, os desafios são imensos, mas as oportunidades também não faltam. Para as conseguir agarrar, temos que ter a capacidade de as identificar e de as utilizar. E isso só será conseguido se apostarmos nas pessoas, capacitando-as a arriscar, a tomar decisões e a moldar um futuro mais promissor e inclusivo.

A situação geopolítica atual, marcada por conflitos e incertezas, representa um desafio significativo para o mundo, e Portugal não é exceção. A guerra na Europa e noutras regiões do mundo está já a ter consequências globais e desafios económicos imprevisíveis. Não é de todo a minha área, e não tenho um bom entendimento do que um país como Portugal possa fazer para influenciar o panorama global, mas imagino que, como qualquer outro país, tem obrigatoriamente que ter uma abordagem estratégica para mitigar riscos e promover a resiliência.

Pessoalmente, interessa-me mais discutir os desafios e oportunidades intrínsecas à nossa realidade, especialmente porque estes podem ser controlados por nós e adaptados a nós. É crucial que deixemos para trás o conformismo e abracemos de uma vez por todas a inovação e a excelência em todas as áreas da nossa sociedade. Para tal, é crucial investir na educação, no sentido amplo do termo, para seremos capazes de dotar os nossos cidadãos da versatilidade necessária para enfrentar os desafios de um século XXI em constante mudança e imprevisibilidade.

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E foco-me aqui num único tópico que é ao mesmo tempo um desafio tão grande quanto a oportunidade que encerra para o nosso país: o aumento extraordinário da longevidade e o consequente envelhecimento da população. A longevidade humana tem aumentado desde que conseguimos reduzir a mortalidade infantil no século XIX. A ciência – vacinas, antibióticos, insulina, entre tantos outros – foi-se combinando com a educação, a saúde, a economia, bem como com o progresso tecnológico ou os múltiplos avanços médicos no cuidado, por exemplo, de pacientes com AVC e ataques cardíacos para manter o ritmo implacável do aumento da longevidade.

Viver até aos cem anos será em breve uma realidade comum à vida humana. A esperança média de vida tem aumentado até três meses por ano desde 1840. É um aumento impressionante. Dados oficiais mostram que, em Portugal, em 1920, a esperança média de vida à nascença não chegava aos 40 anos. Em 1975, não chegava aos 70 anos. Hoje ultrapassa os 80 anos.

O notável aumento da longevidade e o envelhecimento da população não são apenas fenómenos nacionais e são, sem dúvida, um desafio global, ainda mais perante as grandes alterações climáticas, que terão também elas um enorme impacto na saúde humana. No entanto, e apesar de ser uma tendência mundial, Portugal é o segundo país mais envelhecido da União Europeia e o quinto a nível mundial.

Além disso, segundo o Eurostat, a população portuguesa é a que está a envelhecer a um ritmo mais acelerado no conjunto dos 27 Estados-membros da União Europeia, com grandes impactos esperados nas estruturas sociais e económicas. Tal desafio requer uma abordagem interdisciplinar e uma visão de longo prazo para enfrentar as suas múltiplas implicações. E aí surgem as oportunidades.

Mais uma vez a ciência, aliada à educação, a saúde e a economia podem informar políticas sociais e económicas e gerar medidas inovadoras. Para isso precisamos de um verdadeiro e eficiente eixo de interação entre a universidade e centros de investigação, a indústria, o poder governativo, a sociedade civil e o meio-ambiente natural como chave para impulsionar a inovação no setor de saúde e desenvolver soluções eficazes para os desafios do envelhecimento da população.

Neste contexto, o país não enfrenta apenas os desafios internos associados ao envelhecimento, mas tem também a oportunidade única de liderar o caminho na criação de soluções que podem ser testadas em Portugal e aplicadas globalmente. Com uma abordagem interdisciplinar, que reúna o conhecimento gerado pelos cientistas mais criativos com a experiência de inovadores, inventores, investidores e governantes tendo em conta a sociedade civil e o meio-ambiente que a envolve, Portugal emerge como um potencial laboratório do mundo. Ao reunir talentos e recursos de diversas áreas, Portugal está bem posicionado para apostar numa verdadeira estratégia de especialização inteligente e assumir uma posição de liderança a nível internacional na criação de um futuro onde o envelhecimento seja compatível com mais saúde, maior qualidade de vida, melhores oportunidades e inclusão para todas as gerações.

Maria Mota é bióloga, especialista em imunologia e parasitologia. Foi durante vários anos diretora executiva do Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes e é a primeira CEO da Fundação GIMM — Gulbenkian Institute for Molecular Medicine. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década