Talvez não estejamos assim tão diferentes no que toca à sexualidade. Ou talvez este seja um processo lento e difícil. Se há algo que nos gera ambivalência é a sexualidade, os seus meandros e desejos. Por um lado queremos usufruir dela em plenitude, mas, por outro, há medos e preconceitos que nos inibem e condicionam.
Para compreendermos este paradoxo, precisamos de olhar para trás e entender as mudanças que enquanto sociedade temos vivenciado. Estamos numa fase de profundas transformações e isto relaciona-se com vários aspetos da nossa existência, como a relação com os outros ou a vivência da sexualidade.
Sou psicóloga e trabalho diariamente com casais e com os seus antigos e emergentes dilemas, onde a sexualidade tende a ser um elemento preponderante. Trabalhar com pessoas faz-me entregar muito de mim mas também trazer muito delas, o que me leva a profundas reflexões sobre padrões que vou observando. Cada ser é único e diferente mas, por vezes, parecemos ser mais semelhantes que diferentes. Os comportamentos e anseios repetem-se mesmo quando o “ator” muda.
É verdade que a emancipação feminina, o crescente questionamento dos papéis de género e a maior abertura para discutir temas considerados tabu são marcos incontornáveis desta nova era. Mas, sabemos que as mudanças, mesmo que desejadas, tendem a ser difíceis e implicam adaptação.
Dou por mim a pensar que, atualmente, poucos motivos existirão além do amor, que façam as pessoas estar numa relação. A mulher já não “depende” do homem e o homem já não “precisa” da mulher, fatores que antes faziam muitas relações perdurar. Mas isto leva a que os papéis tenham que ser repensados. A mulher já não é apenas a cuidadora do lar e dos filhos e reclamou o seu lugar no mercado de trabalho. Por seu lado, o homem já não se limita a ser o providenciador do sustento familiar, reclamando um lugar na parentalidade, não se resignando ao papel de pai de fim-de-semana. E ainda bem que assim é. Mas estarão as mulheres dispostas a abdicar do seu papel central na parentalidade e a partilhá-lo com os homens? E estarão os homens aptos a lidar com esta mulher que também é autónoma e sustenta o lar?
Esta mulher passou a reclamar também o direito ao prazer sexual, deixando de lado o papel passivo que lhe era atribuído e integrando uma “nova revolução sexual”. Sim, porque já tivemos uma na década de 1960 conjugada com o acesso à pílula contraceptiva, que permitiu às mulheres eliminarem o fantasma de gravidezes indesejadas e usufruírem do prazer sexual.
O discurso sobre o prazer feminino tem recebido voz em livros, redes sociais e nos media. E, em consequência disso, o homem também é convidado a repensar o seu papel na cama e a lidar com novos desafios. Se antes o prazer masculino era uma premissa central em qualquer encontro sexual, hoje ele deve coexistir com a consciência de que o prazer da mulher não é opcional, mas sim uma parte essencial da equação. E nem todos estavam preparados para esta nova dinâmica, o que tem vindo a gerar em alguns homens um sentimento de inadequação ou ansiedade de desempenho relacionada com a performance, que, não raras vezes se associa a disfunção erétil ou a ejaculação precoce, incluindo nos homens mais jovens.
A ansiedade e o medo de não corresponder às expetativas podem ser grandes desencadeadores de dificuldades sexuais e, quando estas expetativas são alimentadas por uma sociedade que valoriza a virilidade e a performance, os efeitos podem ser ainda mais devastadores. Os dados indicam que as disfunções sexuais têm aumentado entre os jovens, o que levanta uma questão: porquê?
Uma das respostas pode residir no aumento da pressão face ao desempenho sexual, exacerbada por comparações irreais e pela exposição à pornografia. Muitos jovens crescem com a ideia distorcida do que é uma sexualidade saudável, criando uma lacuna entre a expetativa e a realidade. A ansiedade de desempenho, nesse contexto, torna-se uma companheira comum mas indesejada.
Além disto, viver num mundo onde a ansiedade está em níveis alarmantes também tem impacto na sexualidade, assim como o consumo de substâncias, medicamentos, álcool, drogas e suplementos. A pressão para o sucesso profissional, aliada à necessidade de corresponder aos novos padrões de relacionamento e sexualidade, podem formar uma combinação que muitas vezes resulta em bloqueios psicológicos que se manifestam fisicamente.
Este novo panorama, impulsionado pela emancipação da mulher e pela reconfiguração dos papéis de género, traz não apenas a promessa de relacionamentos mais igualitários e satisfatórios, mas também novos desafios. É essencial que haja um diálogo aberto e consciencializador, que inclua a compreensão das pressões que afetam tanto homens quanto mulheres. Apenas desta forma poderemos avançar para uma sexualidade verdadeiramente libertadora e saudável.
Catarina Lucas é psicóloga clínica e terapeuta de casal. Já trabalhou em contexto hospitalar, escolar e social. É professora no Instituto Piaget e integra a Associação Portuguesa de Terapia Cognitiva, Comportamental e Integrativa.
Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.
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