Não será surpresa reconhecer que o mundo é moldado por desigualdades históricas e estruturais. Apesar do progresso nas práticas de Diversidade, Equidade e Inclusão (DEI), conceitos como privilégio e interseccionalidade ainda enfrentam resistências na discussão deste assunto. A compreensão e discussão destes temas é importante para avançarmos em direção a uma sociedade mais justa.

Quando falamos de privilégio referimo-nos às vantagens que algumas pessoas ou grupos possuem em razão de características como raça, género, orientação sexual, origem étnica, entre outras. Notemos que privilégio não significa que a vida de alguém não tem dificuldades, mas sim que essas dificuldades não decorrem de certas características identitárias.

Por exemplo, em Portugal, as mulheres ganham, em média, 13,2% menos que os homens por trabalho de igual valor, segundo dados de 2021 da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE). Essa disparidade é ainda maior para mulheres negras, cuja inserção no mercado de trabalho muitas vezes ocorre em profissões precárias e com baixa valorização. Aqui, a interseção entre género e raça intensifica as barreiras.

O conceito de interseccionalidade, cunhado pela académica Kimberlé Crenshaw, é a chave para compreender como diferentes formas de discriminação se sobrepõem e agravam. Em Portugal, isso é visível na experiência de pessoas negras, ciganas ou imigrantes que enfrentam várias camadas de exclusão.

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Um relatório da Associação Portuguesa para os Direitos das Mulheres na Violência Doméstica (APAV) de 2023 destaca que 32% das mulheres vítimas de violência doméstica pertencem a minorias étnicas. Além disso, cerca de 22% das pessoas ciganas vivem em condições de habitação precária, segundo dados do Observatório das Comunidades Ciganas (ObCig). Estes números refletem a sobreposição de discriminações baseadas em raça, género e classe social.

Para muitos, o privilégio é invisível. Pessoas brancas, por exemplo, podem não reconhecer os benefícios de não serem alvo de discriminação racial. Uma pesquisa conduzida pelo European Social Survey em 2021 indicou que 38% dos portugueses consideram a discriminação racial “rara” ou inexistente no país. Essa perceção contrasta, além dos dados já partilhados, com os testemunhos de comunidades racializadas, que frequentemente relatam discriminações em espaços públicos e institucionais.

Além disso, a cidadania portuguesa muitas vezes opera como uma barreira de inclusão. Estima-se que 70% dos trabalhadores imigrantes em Portugal estejam inseridos em profissões menos qualificadas, mesmo quando possuem qualificações superiores obtidas em seus países de origem. Esta disparidade ilustra como o privilégio de nacionalidade – ou mesmo a ausência dele – afeta o acesso a oportunidades.

Reconhecer privilégio e interseccionalidade não é um exercício de culpa, mas de responsabilidade. Empresas, instituições e indivíduos têm um papel fundamental neste processo. Algumas estratégias incluem:

Educação e Sensibilização: Promover formações em DEI que abordem a consciência do privilégio e a interseccionalidade.

Políticas Públicas: Implementar ações afirmativas, como quotas em instituições de ensino e no mercado de trabalho, para mitigar desigualdades estruturais.

Dados e Transparência: Melhorar a recolha e a análise de dados sobre diversidade para identificar e combater as desigualdades.

Empoderamento de Minorias: Criar espaços onde vozes marginalizadas sejam ouvidas e valorizadas.

Portugal não está isolado das dinâmicas globais de privilégio e discriminação. Ao olharmos para nossa realidade, é evidente que há muito a ser feito para desconstruir as desigualdades enraizadas. Reconhecer o privilégio e a importância da interseccionalidade é o primeiro passo para construirmos uma sociedade verdadeiramente equitativa. Afinal, a justiça social é um projeto coletivo que exige empatia, ação e coragem para confrontar desconfortos.

Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.