Há muito que sabíamos da problemática em torno do envelhecimento da população docente em Portugal e o estudo do Perfil dos Docentes, realizado pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência entre 2009 e 2020, só veio confirmar algo que era evidente até mesmo para os mais distraídos. A título de exemplo, em 2019/2020, apenas 33 professores com menos de 30 anos lecionavam nas escolas públicas do 1º ciclo. Ora, tendo em conta que, neste mesmo nível de ensino, acima dos 40 anos estão mais de 21 000 professores, não é fácil antecipar a dimensão do problema que iremos enfrentar em breve.

Interessa portanto perguntar: o que tornou a profissão de professor tão pouco apelativa para os jovens e como podemos inverter esta situação? Esta não é uma questão à qual se responda de uma forma simples e linear, logo é importante olharmos para as diferentes dimensões do problema.

A Carreira Docente. O primeiro aspeto a considerar talvez deva ser a desvalorização da carreira docente a que temos assistido ao longo das últimas décadas: os anos de serviço que nunca foram recuperados, os docentes que anualmente têm de andar com a casa às costas ou os profissionais mal pagos que vivem metade da sua vida como contratados. Por estas e outras razões, esta é uma classe que vive permanentemente em luta por uma carreira digna e por condições de trabalho que lhe permitam desempenhar as suas funções com o mínimo de qualidade e isso, para além de causar um desgaste, torna-a um alvo fácil para quem não percebeu a importância do professor como elemento essencial para o sucesso de uma sociedade. É fundamental os jovens perceberem o poder de transformação que um professor pode ter na vida de uma criança, mas também no futuro de uma nação.

A imagem social do Professor. A verdade é que, nos últimos 20/30 anos, o papel do professor foi-se degradando. De uma realidade vivida essencialmente no período anterior ao 25 de abril, em que o professor e o padre eram as pessoas mais respeitadas numa comunidade, fomos migrando progressivamente para o polo oposto, em que o professor perdeu o reconhecimento social, a confiança dos encarregados de educação e, consequentemente, o seu papel transformador da sociedade.

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Depois, sendo esta uma profissão maioritariamente desempenhada por mulheres, numa sociedade infelizmente ainda machista, há uma tendência para não valorizar os profissionais da área. No entanto, honra lhe seja feita, esta é uma classe extraordinariamente resiliente que, a cada ciclo político, necessita de se ajustar às mudanças que cada executivo opera, quer nos programas quer nas orientações às escolas. Quem está nas escolas, quem está nas salas de aula sabe que essas mudanças causam desconforto, causam resistências, causam mal-estar, comprometendo depois a própria imagem do professor na sociedade que é visto como alguém descontente com a sua profissão. Pudera…

Esta visão do professor acaba por se refletir nas situações de indisciplina nas salas de aula, na forma como pais se dirigem a quem deveria ser, para além de uma figura de autoridade perante os filhos, um exemplo ou modelo para os jovens. Reflete-se na própria imagem do professor como especialista em Pedagogia. Aliás, em congressos, mesas-redondas e outros eventos onde se discute Educação, é frequente todos serem especialistas, com exceção de quem trabalha diariamente com os alunos nas salas de aula.

Refira-se, no entanto, que o problema não é novo. Todos nos recordamos da célebre Prova de Avaliação de Conhecimentos e Capacidades (PACC) que, para além da qualidade dos professores, colocava em causa toda a formação inicial a cargo das instituições de Ensino Superior. Tudo isto gerou uma enorme desconfiança em relação à competência e qualidade dos docentes portugueses.

Esta desconfiança também fica patente na tendência da administração central em regular o modelo de avaliação dos alunos através de exames ou nas opções de alguns agrupamentos de escolas que forçam todos os professores a realizarem testes iguais a todas as turmas, independentemente da realidade de cada grupo, contrariando uma visão aristotélica de inclusão, baseada no pressuposto de não há nada mais desigual do que tratar de igual forma o que é diferente. O problema é que a origem desta opção por modelos de avaliação externos, ou supostamente iguais para todos, tem a sua génese na desconfiança acerca do trabalho desenvolvido pelos professores e não propriamente na questão da equidade entre alunos. É preciso uma avaliação externa ou um teste uniforme para todos os alunos porque o professor não é capaz de avaliar e isso é só mais um fator de descrédito no papel do professor.

Construir uma Escola Melhor. Devo dizer que me incomoda profundamente o corporativismo, na medida em que, como em qualquer profissão, haverá os competentes e os incompetentes, haverá os que buscam a excelência e continuam a aprender todos os dias e os que adormecem na sua zona de conforto. Os professores terão de fazer parte da equação, tanto no que aos direitos diz respeito, como no dever de contribuir para uma Escola melhor que valorize a sua própria carreira.

Mas valorizar a carreira docente e atrair jovens para a profissão obrigar-nos-á também a pensar num outro modelo de avaliação de professores… e porque não, de avaliação de escola… e já agora, das próprias lideranças. Um modelo que contribua efetivamente para a melhoria do sistema educativo. Um modelo que contribua para a excelência em Educação. Não a excelência dos rankings ou das comparações absurdas entre realidades incomparáveis, mas, à semelhança do que acontece noutros países, um modelo a 360 graus, não punitivo, antes construtivo, contribuindo para a melhoria progressiva da qualidade docente e das escolas. Mas, para isso, seria necessário criar instrumentos de avaliação e equipas que os aplicassem na comunidade educativa, envolvendo os diferentes intervenientes: professores, alunos, pais e líderes escolares. Instrumentos que contemplassem entrevistas, questionários e uma análise à evolução dos alunos ao longo dos anos. E para que isso fosse possível seriam necessários recursos, seria necessário investimento, seria necessário repensar todo o sistema educativo e mobilizar todos os que podem transformar a Educação em Portugal. Acima de tudo, seriam necessárias pessoas! E pessoas, como se pode ver pelos números de profissionais de Educação neste país, pessoas interessadas em tornar o nosso sistema educativo melhor, são cada vez menos.

Professor e Diretor Pedagógico no Colégio Monte Flor

Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.