Quadros de Giz, YouTubers e um Mundo em Mudança

Possivelmente, poucos saberão quem é Richard Appiah Akoto. Na realidade, é bastante provável que já o tenham visto numa das publicações nas redes sociais mais virais das últimas semanas, mas duvido que o associem ao nome.

Ora, Richard Appiah Akoto é o professor ganês que, numa escola sem quaisquer recursos tecnológicos, desenhou, no quadro de giz, o ambiente de trabalho do Windows e o seu processador de texto Word, como estratégia para desenvolver, nos seus alunos, as competências digitais tão importantes para o século XXI. Richard, professor numa escola situada no Gana, percebeu aquilo que muitos professores do mundo desenvolvido, com fácil acesso à tecnologia, se recusam a aceitar: a urgência em dotarmos os nossos alunos de competências que lhes permitam alcançar o sucesso numa sociedade que mudou radicalmente nas últimas décadas.

As mudanças que se operaram na sociedade e que se devem, em grande medida, ao desenvolvimento tecnológico, alteraram significativamente a forma como comunicamos, como aprendemos, como nos relacionados uns com os outros ou até a forma como desempenhamos as nossas tarefas diárias e têm repercussões em todos os setores da vida ativa. Novas profissões, como Social Media Manager, Chief Listening Officer ou App Developer são exemplos de profissões que não existiam há 10 anos e que, atualmente, são tidas como as profissões de futuro.

O mundo mudou e até a resposta à pergunta que, tantas vezes, é feita às nossas crianças “O que queres ser quando fores grande?” demonstra como ele está a mudar. “Quero ser YouTuber!” dizem cada vez mais os pequenos. Admire-se ou não o fenómeno YouTuber, a verdade é que estes são, cada vez mais, figuras de referência para as nossas crianças, o que, para além de poder ser assustador para um pai, revela como o mundo mudou na última década.

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O mundo mudou, disso ninguém tem dúvidas, mas e a Escola? Acompanhou a mudança? Precisará ela de mudar realmente?

Começando por esta última, “Precisará ela de mudar realmente?”, deixo para reflexão uma pergunta que um amigo, diretor de uma das escolas mais inovadoras do mundo, que por acaso até é portuguesa, pública e não se situa num centro urbano, costuma fazer a quem questiona a necessidade de inovarmos nas nossas escolas: “Seria capaz de se sentar num consultório de dentista do século passado e submeter-se às técnicas dessa época para o tratamento a uma cárie?”

É evidente que não, porém, continuamos a enviar diariamente os nossos filhos para uma Escola que, respondendo à primeira questão, em mais de duzentos anos, pouco mudou na sua generalidade. Uma escola que, embora continue a servir os propósitos da sociedade da época em que se massificou, pouco se ajusta ao mundo em que vivemos atualmente. É por isso essencial que a Escola acompanhe os tempos e evolua, não apenas na forma como está organizada, mas também nas estratégias de ensino e aprendizagem, nos espaços educativos e nos recursos educativos a disponibilizar a alunos e professores.

Alguns Erros no Debate sobre Inovação

No entanto, vários erros são frequentes quando se fala de inovação educativa. Contrariamente ao que muitos dos grandes defensores da Mudança referem, esta não se resume à utilização de tecnologia, nem tampouco à mudança da disposição da sala de aula. Inovar significa alterar a lógica do aluno como ator passivo na sua aprendizagem, para uma abordagem em que o aluno tenha uma participação ativa no seu desenvolvimento.

Os céticos perguntarão “Então, mas são os alunos que decidem o que aprendem, quando aprendem e como aprendem?”. A resposta não pode ser linear. Contudo, uma Escola mais ajustada aos tempos que correm deve dar voz aos alunos, dar-lhes a possibilidade de terem um maior controlo da sua aprendizagem e nesse aspeto, a tecnologia, com a enorme variedade de recursos digitais e a possibilidade de aceder ao conhecimento a partir de qualquer lugar, surge como uma excelente resposta a essa necessidade.

E por falar em Conhecimento, tropeçamos noutro erro frequente quando se debate Inovação em Educação. Desta vez, por parte de quem pretende associar a Inovação e as abordagens pedagógicas centradas no aluno à desvalorização do Conhecimento, à criação de um sistema facilitista e pouco exigente, onde apenas se procura a satisfação do aluno. Como professor que privilegia o trabalho de projeto, devo dizer que nada disto pode estar mais longe da verdade. O conhecimento deve surgir sempre em estreita ligação ao Mundo em que vivemos e o desenvolvimento de projetos que envolvam elevada componente prática associada à teoria conferem aos alunos um conhecimento mais aprofundado e significativo. A exigência num trabalho de projeto nunca pode ser colocada em causa e o rigor que se tem para com um aluno ou um grupo de alunos que estão a desenvolver e a apresentar, por exemplo, um trabalho de investigação, nunca pode ser menor, do que o que se tem para quem está a realizar um teste.

Já no que diz respeito à procura do prazer da criança por aprender, bem sabemos que nem sempre conseguimos sentir prazer a realizar uma tarefa e, dada a diversidade de alunos, também há os que não se conseguem motivar com quase nada, nem com as abordagens mais ativas. Em todo o caso, como professor, nunca vou deixar de procurar que os meus alunos sintam prazer em aprender. Assim eu continue a ter o prazer de ensinar.

Reinventar uma Escola para todos

A Escola, se quiser ajustar-se ao mundo no qual está inserida, não pode deixar a tecnologia de fora do processo de aprendizagem, até porque cada vez mais as competências digitais surgem-nos como essenciais ao sucesso profissional de cada indivíduo e é necessário preparar os alunos para o futuro. Mas não sendo o único objetivo da Escola preparar os alunos para o mercado profissional, esta deve, acima de tudo, contribuir para o desenvolvimento completo de cada criança e jovem, despertando-lhe o interesse por aprender, por descobrir os seus talentos e capacidades e permitir-lhe desenvolver competências para a vida social, profissional e pessoal. Uma nova Escola, mais condizente com o mundo em que vivemos, não tem por isso de desvalorizar aqueles que alcançam resultados excecionais em testes e exames, nem tem de colocar de parte o conhecimento, pelo contrário, deve premiar quem atinge desempenhos de relevo em todos os domínios. No entanto, também não pode marginalizar os que se destacam noutras áreas, que não as habitualmente denominadas de “nucleares”. Onde ficam as Artes e o Desporto? E onde ficam as competências que permitem, em tantos e tantos casos, que alunos medianos ao longo do percurso escolar se destaquem na sua vida adulta, pela Capacidade de Liderança, Inteligência Emocional, Espírito de Iniciativa e Empreendedorismo que demonstram?

A Escola tem de aproveitar e potenciar o que de melhor cada indivíduo pode trazer para a sociedade, valorizando-o e, ao mesmo tempo, valorizando-se a si própria, no seu papel de motor do desenvolvimento e construtora de um futuro melhor. Na Escola, não pode imperar a “Lei da Selva”, a “Seleção Natural”, a eliminação do mais fraco. Quem, como eu, trabalha diariamente com crianças bastante jovens, sabe que, desde muito cedo, é possível detetar nos alunos os interesses, os talentos, as aptidões, mas também as dificuldades e as suas desmotivações para uma ou outra área. Não devemos, contudo, desistir de fazer com que os alunos que pensam que a matemática é aborrecida ou difícil, descubram o fascínio dos números, da geometria ou da lógica, nem os que apresentam dificuldades na leitura, que se traduzem, normalmente, num menor interesse por essa área, percebam o mundo maravilhoso das letras e da comunicação escrita. Mas quem está nas salas de aula com os alunos sabe bem que, independentemente do professor ou das estratégias a utilizar, há crianças que, simplesmente, não irão alcançar resultados dignos de destaque em determinada área. E daí? Terão, certamente outros talentos, que interessa descobrir e explorar.

Ainda que, nem sempre, tal seja possível, os professores têm o dever de cativar os alunos e motivá-los a aprender, encontrando estratégias apelativas, desenvolvendo projetos que se relacionem com o mundo, proporcionando experiências de aprendizagem significativas que deixem uma marca para a vida e, ao mesmo tempo, mostrar o caminho, mas deixar os alunos caminharem pelo seu próprio pé.

O professor está lá para orientar no percurso, para facilitar a aprendizagem, para transmitir conhecimentos (porque não?), para apresentar ferramentas e estratégias que ajudem os alunos a resolver problemas, mas acima de tudo, para desenvolver no aluno o prazer por aprender, por criar, por se relacionar com o mundo à sua volta. Um mundo que muda a uma velocidade vertiginosa. É para essa mudança que todos nós e não apenas os alunos, temos de estar preparados. Stephen Hawking dizia que “A Inteligência é a capacidade de nos adaptarmos à mudança”. Está por isso na hora de apostarmos precisamente numa Escola mais inteligente e menos selvagem.

Professor e autor do livro “A Escola que temos e a Escola que queremos”
‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.