Ninguém esperava que este ano de eleições europeias começasse com um pedido de ajuda a um ícone pop dos Estados Unidos. No entanto, quando o Vice-Presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, numa conferência de imprensa em janeiro, apelou a Taylor Swift para sensibilizar os jovens eleitores europeus ao voto, a ironia não podia ser mais clara.
Um alto representante da UE apelar a uma cantora norte-americana para mobilizar os jovens eleitores, na expectativa de que estes se desloquem em maior número às urnas, é mais um exemplo da influência cultural que os Estados Unidos exercem sobre a Europa. Embora todos em Bruxelas esperem que o próximo mandato se foque no aumento da competitividade industrial, a referência de Schinas a uma superestrela da música revela algo mais profundo sobre o futuro da União Europeia e como esta se pode restabelecer no panorama mundial.
De acordo com o estudo “Rebuilding Europe”, de 2020, o setor da música ao vivo na Europa tem enfrentado bastantes dificuldades desde a pandemia. A guerra na Ucrânia e as sucessivas crises energéticas e de inflação vieram agravar a situação, tornando ainda mais caros todos os custos relacionados com a produção dos espetáculos.
Embora as grandes digressões e o mercado da música ao vivo a nível mundial estejam a reportar valores recorde de receitas, as pequenas salas de espectáculo, responsáveis pela programação da grande maioria dos espectáculos de artistas emergentes, estão agora menos dispostas a apostar e arriscar em novos talentos.
Para a artista da Estónia Kitty Florentine, “é uma luta incessante, e eu pergunto-me constantemente: como posso gerar receita suficiente com a minha música, enquanto artista e performer? É algo que tenho de ter em conta quando estou a trabalhar e a ser criativa.”
Há dois anos, Kitty deixou o emprego que ainda mantinha para se dedicar exclusivamente à música. No entanto, sabe que, para este caminho ser sustentável, precisa de um público maior do que apenas o mercado da Estónia — e é no mercado da música ao vivo que encontra e conquista esse público. No entanto, afirma também que “é um mercado instável e, quando se vem de um país pequeno, é preciso financiamento e estruturas que permitam alcançar outros públicos, porque não é fácil andar em digressão e os custos são muito elevados. A Estónia é muito rica culturalmente, mas como o mercado é pequeno, não recebe o reconhecimento que merece. Não há tanto espaço nem meios para crescer.”
O problema de Kitty não é incomum. Para os portugueses Hause Plants, manter um emprego paralelo à música é o que possibilita ter uma carreira estável enquanto artista. “Hoje em dia, o custo de andar em digressão é um hot topic discutido um pouco por toda a indústria”, afirma Guilherme, vocalista da banda lisboeta.
“Sem o apoio da Liveurope, nunca teríamos conseguido sair de Portugal para dar um concerto. Nunca teríamos percebido que temos um público fora de Portugal que se interessa por nós e que vale a pena explorar.” Nos últimos dois anos, os Hause Plants já tocaram em mais de vinte países, ao longo de duas digressões Europeias e três passagens pelos Estados Unidos, onde estiveram recentemente no festival South By Southwest, em Austin.
A Liveurope é uma iniciativa europeia que quer aumentar a diversidade e oferta da música ao vivo, oferecendo incentivos financeiros a salas de espectáculo europeias para que estes apoiem e programem mais artistas emergentes vindos de países europeus.
Kitty e Hause Plants, ambos provenientes de países na periferia da UE, testemunharam em primeira mão os desafios de entrar em mercados estrangeiro, onde artistas locais e anglo-saxónicos têm prioridade.
Se olharmos para os hábitos de streaming dos cidadãos da União Europeia, vemos que os seus artistas representam apenas 15% da quota total, sendo que os artistas norte-americanos e os artistas britânicos representam 42% e 18% respectivamente.
A predominância cultural anglo-saxónica, enquanto processo não controlado de monopolização, tem vindo a ganhar força. Artistas dos Estados Unidos e do Reino Unido conquistam cada vez mais mercado, em detrimento dos artistas europeus, para quem se torna progressivamente mais difícil destacar-se.
Um estudo recente feito pela União Europeia mostra que os preços dos bilhetes de concertos e festivais de grande dimensão estão a aumentar, e concluiu ainda que a diminuição dos subsídios e dos orçamentos públicos para espectáculos ao vivo reduziu também o orçamento restante para novos talentos, resultando numa homogeneização da programação das salas e dos cartazes dos grandes festivais.
Essa tendência deve ser preocupante para os políticos da UE que procuram melhorar o bem-estar económico e cultural da Europa. Schinas, Comissário para a
Promoção do Modo de Vida Europeu, reconhece que a apreciação partilhada da cultura europeia é fundamental para a identidade e os valores do projeto europeu, enquanto, ao mesmo tempo, admite que o setor musical é uma peça fundamental para a economia da União Europeia — contribuindo com mais de 31 mil milhões de euros anualmente — e que, acima de tudo, a música fala a pessoas de todos os extratos sociais.
Assim, enquanto as instituições europeias se preparam para iniciar um novo mandato, é fundamental examinar de perto o financiamento destinado à música e à cultura. Sob o orçamento atual, que expira em 2027, o programa Europa Criativa, através do qual chega todo o financiamento cultural, representa apenas 0,19% do total geral.
Os mercados europeus já provaram vezes sem conta serem capazes de inovar e exportar a nível mundial – sejam empresas, fármacos, investigações científicas ou música. Sabemos, no entanto, que nada acontece sem trabalho prévio, e o soft power é uma estratégia a longo prazo, o que talvez explique o porquê de os políticos, focados em estratégias imediatas que garantam a reeleição, tão facilmente negligenciam o financiamento para o setor cultural.
É importante que a chegada à Europa da “Eras Tour”, de Taylor Swift, que até agora já gerou mais de mil milhões de dólares em receitas, sirva como um lembrete do poder da música e das figuras culturais. No futuro, em vez de pedir ajuda à estrela pop americana, os legisladores devem investir na próxima geração de ícones culturais da Europa.
Tradução: Guilherme Machado Correia e Filipa Paixão