Nas palavras do atual Primeiro-Ministro, cumprir as promessas “é essencial para recuperar a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas e (…), para que os cidadãos voltem a acreditar que vale a pena votar porque com o voto decidem e com o voto mudam aquilo que é necessário mudar.(…) É assim que nós sabemos estar na política, é assumindo compromissos com os cidadãos e honrando os compromissos com os cidadãos”(20 de maio de 2017).

Declarações idênticas a estas, enunciadas repetidas vezes por diferentes atores políticos, sejam em período de campanha eleitoral ou não, mostram que a essência da política é a promessa, e uma promessa é um valor (mas também dívida contraída) a realizar no tempo e “todas as sociedades procuram aplicar esse ideal ao facto da existência” (Mendo Henriques).

O elementar estudo de uma área como a Ciência Política – e mesmo a leitura de alguns artigos de politólogos difundidos na imprensa nacional –, evidencia que, em média, os governos das últimas duas décadas cumpriram somente 50 por cento das promessas eleitorais, tendo parcialmente cumprido outros 10 por cento, ou seja, remanescem perto de 40 por cento que ficaram por cumprir. Tal facto significa, para o comum dos cidadãos, que quem já ocupa a cadeira do poder (ou a ambiciona), promete excessivamente, mas depois dispensa pouco tempo a cumprir o que assumiu, ou simplesmente “esquece” muitas das promessas proferidas. Mas o que é uma promessa? É não só uma declaração em que um sujeito anuncia a outrem (ou a si mesmo) uma ação futura, ou intenção de dar, fazer ou dizer algo, mas também, e particularmente, um acordo/contrato, sem subordinação a tipos legais nem a formalismos, além dos necessários para a prova, em que as partes se obrigam a cumprir um determinado compromisso instituído. No domínio religioso – e o termo “promessa” tem raízes em ideias religiosas (o nome hebraico de shalom simboliza o ideal de justiça e paz, mas também salaam, ‘salvação’) – está associado ao voto, isto é, a uma oferta ou obrigação, deliberada e livre, a que um indivíduo se compromete perante Deus, ou um santo, para obtenção da sua intercessão ou graça.

Recordo que a Igreja, no passado, também aplicou a promessa como remissão da culpa futura (que ia para além da remissão do castigo temporal), através da prática da venda de indulgências (penas pecuniárias). Em termos populares – e o povo não compreendeu bem estas expiações supérfluas dos pecados –, eram a promessa de “um bilhete para o céu”, ao qual a Igreja não deu uma conveniente explicação, e que veio a culminar na afixação das 95 teses Acerca do Poder e Eficácia das Indulgências, em 1517, por Martinho Lutero. Pelo acima exposto, é fácil perceber que as promessas, em política, têm muito em comum com algumas ideias dos primórdios da religião: a prosperidade, libertação, justiça, o bem comum, a vida boa e até a terra prometida. Porém, hoje os políticos vão mais além. Diariamente, escutamos ‘juras’ de um mundo melhor, de ganhos e vitórias em toda a linha, de oportunidades únicas que não podemos (nem vamos) perder, de sucessos, metas e proveitos alcançados, conquistas realizadas, mas – e não raras as vezes – a realidade com a qual nos defrontamos todos os dias, fácil e rapidamente “desmonta” a propaganda política (e pantominices) de quem a faz (e partilha), para além dos riscos que representam para a própria democracia, agora ameaçada por modernos populismos de extrema direita que encolerizam a Europa e as Américas. A este propósito, John Keane, alerta-nos justamente para os “novos inimigos da democracia” e para a sua diferida, mas progressiva “desintegração”.

Atualmente, as promessas e esperanças políticas profetizadas aos cidadãos são inúmeras e de natureza variada. Vão desde o defender/salvar o SNS – a joia da coroa do PS; investir na Educação e combater o insucesso e abandono escolar; modernizar, qualificar e diversificar o Ensino Superior; responder e reagir ao desafio do “inverno” demográfico; desenvolver uma nova geração de políticas de habitação; valorizar o território nacional, impulsionar o desenvolvimento rural e combater a desertificação do interior (há anos, completamente abandonado pelas políticas públicas); apostar na economia do Mar, um investimento que para o nosso país é considerado a “porta do futuro”; promover a coesão territorial e a sustentabilidade ambiental (reduzir em 50por cento as emissões de dióxido de carbono até 2030, produzir 80 por cento da energia elétrica com fontes renováveis e eliminar os plásticos não reutilizáveis até ao final de 2020, mas, conjuntamente, “ir além do acordo de Paris”); implementar uma rede ferroviária de alta velocidade que ligue Lisboa e o Porto ao centro da Europa; valorizar a atividade agrícola e florestal e o espaço rural; avançar na coesão social e contrariar as desigualdades; assegurar a sustentabilidade da Segurança Social; combater a pobreza e dar uma resposta a cada sem-abrigo que vive na rua; construir uma sociedade mais “igual” e justa; criar uma agenda própria que combata eficiente e eficazmente a corrupção; diligenciar mais investimento na qualidade dos serviços públicos; baixar os impostos, em particular o IRS para a classe média; realizar mais investimento em Defesa e novos “incentivos financeiros” e de outra natureza, para recrutar e reter talentos nas Forças Armadas; reduzir a dívida pública para menos de 100 por cento do PIB; recrutar mais 10 mil elementos para os serviços e forças de segurança; valorizar o salário mínimo, isto é, atingir um salário mínimo de 750 euros em 2023; mas também outros compromissos, como a construção de um nova ponte sobre o rio Tejo, entre o Barreiro e Lisboa, e a sempre eterna promessa de nominal e real convergência do país com a União Europeia. Na Região Autónoma da Madeira, escutámos, por exemplo, que se iria construir um teleférico e um centro de interpretação ambiental em plena floresta Laurissilva – declarada Património da Humanidade, em 1999, pela UNESCO; que o Funchal teria uma nova pista de atletismo; que se iria colocar alcatrão também dentro da floresta Laurissilva, com a construção da estrada entre as Ginjas e os Estanquinhos, no Paul da Serra; e que, se determinado candidato fosse reeleito, se iria proceder ao prolongamento da Pontinha (um “aumento em cerca de 400 metros, com um custo estimado de 100 milhões de euros”); à construção de um novo Hospital público (duas décadas depois de ter sido idealizado, orçamentado em 352 milhões de euros e para já sem opositores no concurso entretanto aberto)…, ou seja, mais avultadas (megalómanas e algumas inúteis) obras públicas que constrangerão o erário público em vários milhões de euros.

Neste rol incompleto de promessas políticas, há boas e más, honestas e inautênticas, sólidas e falaciosas, pois é “tão fácil o prometer” e bem mais difícil o cumprir/concretizar. Para o hábil político, o imprescindível e útil é gerar (e alentar) o desejo no cidadão eleitor, mesmo que para isso se tenha de prometer (hipocritamente) ilusões ou utopias de um mundo preferível/diferente que nos permita o escape/fuga aos desgostos da vida real. As ilusões na política são fecundas, seduzem o eleitorado, dão-lhe esperança, apesar desta ser pouco saciada e muitas vezes acabar em completa desilusão. Talvez este fenómeno elucide porque a política é, hoje, uma atividade pouco recomendável aos olhos dos cidadãos, e em 46 anos de democracia, a abstenção não ter parado de subir, salvo três ligeiras exceções. Sobeja, então, a questão: na política a “palavra dada ainda é palavra honrada”?

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