Na semana passada falei aqui da oferta pública de habitação. Hoje volto a falar de habitação, mas desta vez olhando para o mercado dos privados. Relembrando, na última década, entre 2010 e 2020, o Estado construiu em Lisboa 17 casas de habitação pública por ano. O número inclui toda a construção promovida pela administração central, empresas públicas, institutos públicos, e a própria Câmara Municipal de Lisboa. Tudo somado, 17 casas por ano. Mostrei que o Estado – ou a esquerda – não resolve o problema. E a mesma esquerda diligentíssima argumenta que “os mercados não resolvem o problema”; a culpa é do capitalismo, da “ganância”, da “especulação imobiliária” e dos “interesses” privados. Mostrarei que não é assim.
Quais são os obstáculos ao investimento privado em habitação? Essencialmente, são três. Primeiro, carga fiscal. Como também vimos na semana passada, 40 % do preço de uma casa corresponde a taxas e impostos; uma casa vendida por 500 mil euros entrega 200 mil euros ao Estado. Segundo, os custos de construção. Praticamente iguais ao resto da Europa e, em muitos casos, até superiores. Idem para os materiais, equipamentos, recursos, e tecnologia. Terceiro, licenciamentos. Caros, demorados, imprevisíveis. Quase sempre sujeitos a exigências legais mais apertadas do que no resto da Europa.
Se é verdade que nos custos de construção entram vários motivos, alguns dependentes de economias internacionais, é também verdade que os custos com impostos e com licenciamentos são dois factores inteiramente determinados pelo Estado – governo, autarquias, ou uma combinação diabólica de ambos. Não há desculpa para o peso com que o Estado português sobrecarrega a habitação. Ou até há: o Estado, em Portugal, é a esquerda; e a esquerda, para se manter no poder, precisa de receita cada vez maior. Quando não se faz ideia do que é uma economia, e se precisa de aumentar constantemente a receita do Estado, é mais fácil atacar o negócio onde há maior volume de investimento.
Eis os 40%. Logo à partida, a carga fiscal impede que haja interesse em promover habitação acessível. Ninguém protesta pela falta de habitação de luxo. O problema está na falta de casas para a classe média, a preços que a classe média possa pagar.
E não é aceitável o argumento infantil de que a falta de casas a preços acessíveis se deve à abundância de casas de luxo. Num mercado saudável, existiriam vários segmentos, com várias características, a preços diferentes. Como acontece no mercado dos automóveis. O preço de um Fiat ou de um Renault não seria mais baixo caso fechássemos a Ferrari. Provavelmente, o preço seria até mais alto, e os carros piores, e mais ridículos, basta olhar para um Trabant.
Se numa casa de 500 mil euros, como vimos acima, 200 mil vão para o Estado, numa casa de 250 mil euros, 100 mil vão para o Estado. É preciso construir esta casa por 150 mil euros, o que, em Lisboa, se torna impraticável. Nas camadas de luxo conseguem-se encontrar margens e absorver os custos; na habitação acessível não se consegue. Não é falta de vontade das promotoras; o preço da construção é superior ao valor que essas casas poderiam pedir no mercado imobiliário.
De maneira que o Estado não tem oferta pública, como vimos na semana passada. E o mesmo Estado conseguiu impedir a oferta de promotoras privadas a preços que a classe média possa pagar. Uma política espantosa. Bem vistas as coisas, sempre acabamos batendo de frente com os vícios da esquerda: o Estado é culpado pela falta de habitação pública; mas o Estado – ou seja, o PS e a extrema-esquerda – também é culpado pela falta de habitação no mercado dos privados.