À medida que a era do dinheiro barato chega ao fim, o mesmo acontece com as condições que impulsionaram o preço da bitcoin e de outros ativos ‘cripto’ para os máximos atingidos no final do ano passado. Na altura em que este artigo foi escrito, a bitcoin estava a ser negociada a pouco mais de 22 mil dólares, uma queda de mais de 66% em relação ao máximo de quase 69 mil dólares, registado no último mês de novembro.

A última vez que a bitcoin enfrentou uma queda semelhante foi em 2018, quando os investidores assumiram que os ganhos registados durante os 12 meses anteriores, em que passaram de cerca de mil dólares em janeiro para quase 20 mil no final do ano, eram o resultado de uma bolha e decidiram retirar-se do mercado, fechando posições. Isto desencadeou uma avalanche de ordens de venda que, 12 meses mais tarde, fez descer o preço para menos de 4 mil dólares; uma queda de 80%.

Desta vez, as razões que levam à desvalorização da criptomoeda são mais complexas. Continua a existir um importante elemento especulativo por detrás da atual dinâmica do mercado, mas o principal catalisador é a mudança do paradigma monetário dos principais bancos centrais. Esta mudança de postura, caracterizada pela subida das taxas e redução das folhas de ativos, tem por objetivo o controle da inflação, mas acaba, de forma colateral, por alterar o sentimento nos mercados financeiros.

Uma perfeita tempestade de inflação, crise energética, medidas draconianas de contenção da COVID-19 na China e a guerra na Ucrânia forçaram os bancos centrais a retirar os estímulos, reduzindo o apetite pelo risco bem como a liquidez nos mercados, à medida que as perspetivas de crescimento económico global se deterioraram. No meio deste cenário, os investidores estão a reconsiderar as suas estratégias, abandonando ativos relacionados com o risco e convertendo grandes porções dos seus portfólios em dinheiro, bem como em outros ativos de refúgio.

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Após a abundância de estímulos durante a pandemia, que gerou condições únicas de suporte a ativos de maior risco, tais como ações do setor tecnológico e criptos, o vento mudou e os principais índices de ações, incluindo o Nasdaq e o S&P500 já se encontram em bear market há algum tempo, tendo perdido mais de 20% relativamente ao máximo atingido em novembro de 2021. No entanto, no caso da Bitcoin, o cenário pode ser ainda mais desolador, uma vez que, ao contrário das ações das empresas, que são apoiadas pelo valor intrínseco das empresas subjacentes, no caso da criptomoeda o valor depende totalmente da fé dos especuladores que apostam num futuro valor mais elevados que o atual. Assim, à medida que o apetite pelo risco dos mercados se evapora, é legitimo presumir que a tendência de queda poderá continuar.

Ainda assim, alguns veem as condições atuais como uma oportunidade. “Buying the dip” é uma velha estratégia de investimento, em que investidores com um plano a longo prazo aproveitam as condições de bear market para comprar com desconto, com o objetivo de realizar mais valias quando os preços recuperam. O crash de 2018 foi uma boa altura para aplicar esta estratégia; aqueles que compraram Bitcoin a 3 mil dólares em 2018, vendendo-a menos de 3 anos depois, quando estava perto de atingir os 70 mil dólares, realizaram um retorno do investimento próximo dos 2000%!

Contudo, não devemos esquecer que o desempenho passado não é garantia de resultados futuros. Ainda assim, para aqueles que estão dispostos a continuar a apostar em ganhos futuros de criptomoeda, uma estratégia equilibrada exigirá uma diversificação da carteira e uma gestão cuidadosa do dinheiro. Investir apenas dinheiro que não seja necessário noutro lugar, numa variedade de moedas, que ofereçam cobertura umas contra as outras, e não se preocupar demasiado com o desempenho a curto e médio prazo. Isto porque as condições podem ainda deteriorar-se antes de melhorarem.