Se tivesse de pedir ao leitor para nomear um ano marcante na história, é pouco provável que 1796 fosse o escolhido. Anos e datas tendem a desaparecer na imensidão da história, com poucos a destacarem-se na miríade de eventos que nos trouxeram até onde estamos hoje. Porém, 1796 merece ser relembrado como um ano notável: Jane Austen começou a escrever Orgulho e Preconceito e Napoleão Bonaparte venceu a sua primeira batalha como comandante do exército; mas, acima de tudo, foi o ano em que Edward Jenner administrou a primeira vacina da história, o que marca o início da luta contra a varíola, uma das doenças mais mortíferas da altura, que entretanto foi declarada erradicada.

Num artigo publicado em 2018, no Journal of Experimental Medicine, investigadores do Instituto Pasteur descreveram as vacinas como um cinto de segurança e um seguro de vida para a humanidade. Numa altura em que grupos minoritários da sociedade contestam a importância da inoculação preventiva, vale a pena relembrar que a Organização Mundial de Saúde estima que, entre 2010 e 2015, pelo menos dez milhões de mortes foram evitadas graças à vacinação. Doenças como a polio, cuja taxa de mortalidade até meados do século XX era muito alta, foram erradicadas ou continuam ativas apenas em zonas muito específicas, graças a campanhas globais de vacinação bem-sucedidas.

2020 é um ano que, muito provavelmente, resistirá ao teste do tempo e irá permanecer vivo na nossa memória coletiva. A pandemia do coronavírus é, talvez, o maior desafio que a Humanidade enfrenta desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e a economia global tornou-se a sua principal vítima colateral, uma vez que os governos aplicaram medidas draconianas e paralisantes da atividade económica para tentar conter o vírus.

Contra este panorama, acabámos de testemunhar as eleições norte-americanas mais conturbadas de que há memória. O seu desfecho permanece, de maneira quase surreal, incerto, pois o presidente incumbente fala de fraude eleitoral e recusa-se a aceitar o resultado, sem apresentar provas sólidas de irregularidades. Contudo, quando os historiadores, no futuro, analisarem este momento, desconfio que as manobras eleitorais norte-americanas não serão mais do que uma nota de rodapé. Novembro de 2020 vai ser relembrado como o mês em que foi anunciado que, após resultados satisfatórios, a produção de uma vacina para a Covid-19 iria começar em breve.

O anúncio da descoberta da vacina, feito a 9 de novembro, tem uma importância histórica. A reação imediata dos mercados demonstra a sua relevância. Poucas horas depois, o índice S&P500 atingiu máximos históricos, com os investidores prontos a precificar o regresso a uma vida sem confinamentos e uma recuperação da atividade económica.

Durante mais de 16 anos, as tentativas para criar uma vacina para o SARS (outro coronavírus) falharam e a possibilidade de um desfecho semelhante, este ano, era real. A vacina para a Covid-19 é a luz ao fundo do túnel e cria expetativas reais de um regresso à normalidade em 2021. Também nos relembra o papel essencial que a Ciência tem nas nossas vidas.

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