Como medida de equidade social, o Governo elaborou um Menu básico de IVA taxa zero para aliviar o esforço financeiro das famílias. Pese embora a bondade da iniciativa, suscitam-se alguns equívocos, expectativas inadequadas, e uma oportunidade desperdiçada para simplificar taxas de IVA no setor alimentar.
Logo nas entradas do Menu deparamo-nos com um couvert de ilusões com origem na complexidade de um imposto que é, paradoxalmente, calculado de forma simples. Imagine-se uma empresa que compra um pão por 1,06€, dos quais 0,06€ são IVA. Posteriormente cobra ao consumidor final, pelo mesmo pão, 2,12€, dos quais 0,12€ são IVA. A empresa entrega ao Estado a diferença entre o IVA cobrado e o IVA que pagou ao fornecedor, ou seja, 0,06€ (0,12€ – 0,06€). E este IVA foi todo ele suportado pelo consumidor final e não pela empresa.
O que resulta deste exercício? Que os 0,06€ de IVA pagos na compra do pão não são encargo efetivo da empresa, logo o pão “apenas” custou 1€. Aplicando-se o Menu IVA taxa zero, o pão continuaria a custar 1€. A este efeito do IVA chama-se neutralidade, porque o Estado arrecada receita com impacto mínimo nos preços de bens e serviços.
É impreciso, portanto, sugerir que o Menu permite a setores a jusante da cadeia comercial baixar preços. O IVA, simplesmente, não é fator de cálculo do preço (ou, pelo menos, espera-se que não seja). Esta breve conclusão contraria assim contributos veiculados na comunicação social nas últimas semanas, que insinuavam uma oportunidade para as empresas baixarem os preços, mesmo aquelas que não têm o Menu do Governo.
Já no que concerne aos pratos principais, surgem as expectativas inadequadas. O Menu não serve, em primeira mão, para baixar os preços dos produtos da cesta básica, ainda que, de facto, a eliminação do IVA venha a ter esse efeito aritmético. Em bom rigor, os preços respondem ao mercado, às estruturas de custo das empresas e às margens de lucro (saudáveis). E a estas componentes do preço, o IVA é (e quer ser) alheio.
A expectativa correta é, portanto, de que o Menu sirva para proporcionar às famílias com menos recursos o acesso a alimentos sem o impacto direto do IVA, não se tratando de baixar preços, mas sim de assegurar que, ainda que os preços subam (e estima-se que assim aconteça), o IVA não é um fator relevante. E porquê? Porque as famílias, ao contrário das empresas, não podem recuperar do Estado o IVA que pagam.
Por outro lado, a necessidade da obtenção de um acordo com o setor de produção e distribuição alimentar para assegurar que os benefícios do IVA não são absorvidos pelas margens de lucro expôs as ineficiências do nosso mercado: a limitada competitividade, a pequena dimensão e as margens apertadas. Por estes motivos, o digestivo do Menu acaba por forçar o Estado não só a abdicar de receita, mas também a promover apoios adicionais ao setor para assegurar que os preços não sobem (e, com elevada probabilidade, para tal jogando mão de fundos do PRR).
Ao nível das sobremesas, o Governo falha em adocicar a iniciativa, frustrando-se uma boa oportunidade para reformular a listagem de bens alimentares com aplicação de taxa reduzida ou IVA zero, reduzindo-a ou simplificando-a (por exemplo, alguns Estados-Membros aplicam taxas reduzidas aos bens alimentares para consumo humano em geral, excecionando alguns bens considerados de luxo – como o caviar – ou menos saudáveis).