A maioria dos representantes dos 27 Estados-Membros da União Europeia na COREPER acabou de aprovar a proposta da Comissão Europeia para a redução do estatuto de protecção do lobo face à Convenção de Berna Relativa à Protecção da Vida Selvagem e do Ambiente Natural da Europa. Até agora, e de acordo com o anexo II dessa convenção, o lobo é considerado uma espécie “estritamente protegida”. A nova proposta agora aprovada visa reduzir o estatuto do lobo de espécie “estritamente protegida” para espécie “protegida”.

A alteração agora proposta não é mera semântica. De acordo com o artº. 6º da referida Convenção de Berna, são actualmente proibidas todas as formas de captura, detenção e de abate intencionais, das espécies “estritamente protegidas”, bem como a deterioração ou destruição intencionais dos seus locais de reprodução ou repouso.

Só excepcionalmente os Estados-Membros poderão permitir a prática desses actos, quando não exista outra solução satisfatória e se tal derrogação não prejudicar a sobrevivência da população em causa, mas sempre e apenas no interesse da protecção da flora e da fauna; como prevenção de danos importantes nas culturas, no gado, nas florestas, na pesca, nas águas e noutras formas de propriedade; no interesse da saúde e da segurança públicas, da segurança de outros interesses públicos prioritários; com o fim de investigação e de educação, de repovoamento, de reintrodução; bem como para criação ou a captura, a detenção ou qualquer outra exploração judiciosa de alguns animais ou plantas selvagens.

Contudo, todas aquelas proibições já não se aplicam relativamente às espécies qualificadas apenas como “protegidas” – previstas no anexo III daquela Convenção de Berna -, a cujo estatuto se pretende agora reduzir o lobo. Na verdade, relativamente às espécies “protegidas” a Convenção de Berna apenas proíbe a utilização de “meios indiscriminados” da sua captura e abate, bem como dos meios susceptíveis de provocarem o seu “desaparecimento” ou de perturbarem gravemente a tranquilidade das populações da espécie.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

É assim notória a diferença de tratamento dada às “espécies estritamente protegidas” e aquele que é dado às “espécies protegidas”, com estas últimas a serem apenas protegidas em situações de “abate indiscriminado” e na eminência do seu “desaparecimento”, ao contrário das primeiras onde toda e qualquer forma de captura, detenção e abate intencional é por regra proibida e apenas excepcionalmente poderá ser pelo Estado-Membro.

As razões avançadas pela Comissão Europeia para justificar a alteração do estatuto do lobo face à Convenção de Berna, prendem-se com o alegado aumento do número de ataques ao gado pela população de lobos.

Em 24 de Novembro de 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução sobre a protecção da criação de gado, onde dava conta que em algumas zonas da Europa o aumento da área de distribuição ou recolonização por parte de grandes predadores, como os lobos, vinha fazendo com que os mesmos entrassem em conflito com as actividades humanas, designadamente com o pastoreio de ovinos e bovinos, o que implicava custos significativos para os pastores. Aquela resolução apelava a que a Comissão e os Estados-Membros, “com base em dados científicos”, identificassem as melhores medidas preventivas viáveis a fim de reduzir os ataques e danos causados pela predação do gado por lobos e outros grandes carnívoros, ao mesmo tempo que saudava a apresentação de uma proposta de alteração do estatuto do lobo de espécie “estritamente protegida” para “espécie protegida”, por considerar que o estado de conservação daquela espécie, a nível pan-europeu, justificava a redução do estatuto de protecção.

A questão que se nos coloca é: será mesmo assim? Estará efectivamente o lobo num estado de conservação tal que permita que seja abatido sempre que um pastor recear que o mesmo ataque o seu rebanho? Será que deixar ao livre critério de um pastor ou explorador de gado a decisão sobre o abate de um ou vários exemplares do lobo que possam ameaçar a sua exploração pecuária não acarretará em breve a redução da população de lobos a um ponto que ameace a sua subsistência enquanto espécie? Será que o actual regime do artº. 9º da Convenção de Berna (que permite que o Estado-Membro possa abrir excepções à protecção total para prevenir danos importantes nas culturas ou no gado sempre que não existam outras soluções satisfatórias e se tal derrogação não prejudicar a sobrevivência da população de lobos) não constituía já o ponto de equilíbrio ideal entre ambos os interesses económicos dos proprietários do gado e da sobrevivência dessa espécie animal? Não seria mais adequado e proporcional para garantir conjuntamente os interesses dos proprietários do gado e a biodiversidade dinamizar instrumentos financeiros para compensação de danos aos proprietários lesados, como é o caso do projecto LIFE, já aplicado em alguns casos?

O passado mostra-nos que deixar à mão das populações a decisão sobre a aniquilação destas espécies animais predadoras, levou à extinção de algumas delas e à quase extinção de outras.
Quem percorre as serras do Norte de Portugal, designadamente as quatro serras que compõe o Parque Nacional da Peneda-Gerês, encontra vários “Fojos do Lobo” que eram estruturas construídas pela população para lá atrair os lobos e os matar.

Não desvalorizando as justas preocupações da população de então que via o seu gado (e, como tal, o seu sustento) ameaçado pelos lobos, a verdade é que o ataque e abate indiscriminado e descontrolado dessa espécie quase levou à extinção da mesma no nosso país. A mesma sorte não tiveram os ursos pardos, que foram completamente erradicados do nosso país em meados do século XXI. A experiência do passado deixa a maior preocupação quanto às consequências da redução do estatuto do lobo, à luz da Convenção de Berna, que agora se propõe.

Em muitos Estados-Membros o lobo está longe de um estado de conservação que justifique a alteração agora proposta. Lembremo-nos que foi precisamente o estado de quase extinção a que o lobo esteve votado no passado, que justificou a sua qualificação como espécie “estritamente protegida” ao abrigo da Convenção de Berna. E, graças a isso, preservou-se a referida espécie e, desse modo, a biodiversidade, essencial ao equilíbrio dos ecossistemas.

O ambiente e a sustentabilidade não se protegem apenas banindo os combustíveis fósseis e fazendo a apologia das energias renováveis.