Keith Olbermann tornou-se uma referência jornalística nos Estados Unidos aquando da Presidência de G.W. Bush, e em particular durante a Guerra do Iraque. Nessa altura o vosso cronista vivia e estudava na Universidade de Connecticut, e os canais televisivos MSNBC e FOX News eram os polos para quem queria opiniões a favor, ou contra a guerra. Olbermann destacou-se nessa altura pelos seus comentários especiais, onde o pivot do jornal da noite na MSNBC, Countdown, era abrasivo e veemente de uma forma não habitual para um comentador liberal com uma grande plataforma. Keith é agora podcaster (quem não é?) e continua com o seu estilo habitual, agora mais direcionado para Trumpistas e MAGAs. Há uma frase, em particular, que Olbermann usa que ressoa com o vosso autor cada vez que é pronunciada: a democracia sobrevive não devido aos nossos [de democratas] esforços para a preservar, mas pela estupidez daqueles que a querem destruir.

A semana passada ficamos a saber que vão passar a existir três grupos de extrema-direita no Parlamento Europeu. A saber, o já operacional Grupo dos Conservadores e Reformistas, ECR (apresentado aqui), e agora, das cinzas do Grupo de Identidade e Democracia (descrito aqui), o Grupo dos Patriotas pela Europa (GPE), e o Grupo da Europa das Nações Soberanas (GENS). Numa explicação breve, o ECR é liderado pelo partido de Giorgia Meloni, os Irmãos de Itália (com 24 Membros do Parlamento – MEPs), e com uma delegação alargada do partido da Lei e Justiça da Polónia (18 MEPs).

O GPE, por sua vez, tem o maior número de MEPs, 30, via o partido da Le Pen, o Reunião Nacional (Rassemblement National), a que se junta o partido de Viktor Orbán (o Fidesz) com 10. Também se destaca a presença dos Partidos da Liberdade da Áustria (FPÖ) e dos Países Baixos (PVV), o Partido dos Cidadãos Insatisfeitos (ANO) da República Checa, o Interesse Flamengo (Vlaams Belang) da Bélgica, o Lega de Itália, e sim, os MEPs do Chega. Já o GENS é mais pequeno, com o número mínimo de MEPs e de Estados Membros para formar um grupo no Parlamento Europeu. É dominado pelo partido Alternativa para a Alemanha, AfD (aqueles que são demasiado extremistas para os extremistas).

Ou seja, ao contrário do que se receava, e o vosso autor incluía-se no grupo de analistas que o temia, a grande união da direita conservadora radical, que poderia desequilibrar o centro de poder político do Parlamento, não se concretizou. Em alternativa, parece que vamos ter grupos separados por egos e nacionalismos, com os extremistas da Alemanha num lado, os da França noutro, e os da Itália num terceiro. O resto são idiotas úteis, que se associam por interesse político, por procura de identificação, por sectarismo político, ou no caso dos portugueses, porque lhe é dito para onde ir e o que fazer.

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Existem outras diferenças, naturalmente, que ajudam a explicar esta tribalização. Os Conservadores e Reformistas, de Meloni e Morawiecki, são muito mais pragmáticos do que os colegas à sua direita. Mesmo assim “opõem-se a um superestado Europeu e a aumentos automáticas de integração europeia, e querem manter a preservação de identidades nacionais”. Os Patriotas pela Europa vão insistir nas bandeiras da “família, dos valores judaico-cristãos, do controlo da imigração, da menor integração europeia, a reversão de medidas para sustentabilidade no âmbito do Green Deal, e o final do Espaço Schengen”. Já o GENS pode ser descrito como o grupo Putinista do Parlamento, eurocéticos e nacionalistas radicais, incluindo o Nova Esperança (Nowa Nadzieja) da Polónia, o Revival (Vazrazhdane) da Bulgária, e o Reconquista (Reconquête) da França.

Esta divisão na extrema-direita vai ser interessante seguir (da mesma forma que é interessante retirar uma farpa de um dedo) para ver quais as dinâmicas no Parlamento e particularmente com o ECR. É de esperar que cegueiras ideológicas irão criar tensões entre grupos, e guerras internas dentro dos grupos, que os pode fraturar ainda mais. Isto irá acontecer devido a medidas que vão desde a transição energética, a proteção do ambiente, a remodelação da indústria, a convergência fiscal e económica, posições sobre relações internacionais, e a defesa do União Europeia.

Para o centro que se espera que aguente, esta é uma oportunidade para continuar o trabalho de construir uma União Europeia baseada em valores de democracias liberais, com políticas inclusivas e uma atitude colaborante e positiva. Vamos deixar os maníacos a falarem entre si, a discutirem como as suas formas de fascismo são mais originais do que as dos outros, e deixar os adultos tomarem conta da nossa casa europeia.