É um facto aceite que a globalização tem sido uma das principais chaves do progresso mundial nos últimos 150 anos. A globalização já teve várias fases mas só nos últimos 20 anos registou-se um aumento de 30% na conectividade entre as economias mundiais (ao nível do comércio, informação, capital e pessoas). São dados do consórcio científico-empresarial entre a DHL e a NYU Stern School, criado especificamente para estudar o fenómeno da globalização com recurso a um vasto banco de dados estatísticos e operacionais. Dados, estes, que revelam a resiliência inequívoca do comércio internacional nos últimos anos, apesar dos efeitos devastadores da crise pandémica e do conflito na Ucrânia. Uma resiliência inesperada mas positiva para a economia mundial.

De facto, como explicar que no final de 2020, depois de meses de confinamentos, já grande parte da atividade internacional tinha regressado aos níveis pré-pandemia (exceção feita às viagens áreas)? Como explicar a relutância das empresas em aproximar novamente os centros de produção depois de toda a disrupção provocada?

A verdade é que não é fácil remar contra a globalização, que é vista por muitos como um ativo essencial. Um ativo essencial para empresas que procuram competitividade e inovação. Um ativo essencial para consumidores que procuram diversidade e acessibilidade. E um ativo essencial para Estados, que reconhecem a sua elevada importância na promoção simultânea do crescimento económico e de um ambiente de baixa inflação. Um equilíbrio macroeconómico tão benéfico como reconhecidamente frágil, que fomentou nas últimas décadas um alinhamento e apaziguamento geopolítico incomum entre as principais potências mundiais.

Mas será que podemos esperar o mesmo equilíbrio para a próxima década? Manter-se-à a globalização tão resiliente como até aqui?

Ao contrário de 2012, existem hoje correntes de pensamento que podem colocar em causa o nível de aceitação da globalização. Desde logo as preocupações climáticas, sociais, políticas e militares que em conjunto podem ter a força suficiente para obrigar empresas, consumidores e Estados a alterar a forma como gerem este fenómeno. Porque, mais do nunca, precisamos de defender uma globalização verde e sustentável que reduza significativamente o consumo de recursos naturais e a emissão de CO2. Precisamos de defender uma globalização mais equilibrada e ética que não se deixe instrumentalizar pela guerra, e de defender uma globalização mais humana e justa que exija o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais. E é precisamente neste contexto que os EUA e a Europa se preparam para implementar novos pacotes de subsídio e de investimento em setores estratégicos, nomeadamente setores ligados à independência energética e tecnológica (ex. semicondutores), à ação climática e à saúde. Uma nova vaga de protecionismo económico que não será consensual entre as nações e cujas consequências não conhecemos ainda.

Apesar de tudo, estou convencido de que a maioria das populações não quer voltar atrás com a globalização. Até hoje, a procura pelo bem-estar e pelo progresso mundial tem conseguido sobrepor-se consecutivamente a todas as iniciativas políticas que visaram o seu enfraquecimento. Mas isso não significa que tudo poderá ser como dantes. Hoje, mais do nunca, temos de decidir que globalização queremos defender e que consensos estamos dispostos a aceitar, sob pena de prolongarmos conflitos e de deixarmos a economia mundial enveredar lentamente por um caminho de ineficiência produtiva, de estagnação social e de destruição ambiental.

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