A procuradora-geral da República (PGR) é um dos atores principais do nosso sistema de justiça, nela se corporizando o combate ao crime organizado e restantes formas de crime, a promoção e defesa dos direitos das crianças, entre outras intervenções essenciais para a promoção da paz e do sentimento de justiça na nossa comunidade.
A Constituição e a lei não oferecem grandes dúvidas a respeito da sua nomeação e mandato. O cargo de PGR assenta na dupla confiança do Presidente da República e do Governo: o primeiro nomeia, sob proposta do segundo. E a recondução é possível. Entendo que, visando o reforço da autonomia do Ministério Público, faria mais sentido prever na Constituição e na lei um mandato mais longo e único e, portanto, não renovável. E esta solução deverá ser equacionada na próxima revisão constitucional. Mas não é, efetivamente, a que atualmente temos.
Os atores políticos devem ater-se ao quadro constitucional e legal em vigor, abstendo-se de inovar na qualificação como “ministros-pareceristas” daqueles que inoportuna e extemporaneamente suscitaram o tema.
Mas, uma vez lançada a dúvida acerca da recondução da PGR, exige-se que a mesma seja esclarecida, sob pena de que se considere que as afirmações recentemente proferidas visaram apenas testar o ambiente político, bem como o volume da reação ao tema. A verdade é que, salvo raras exceções, o teste parece ter corrido bem aos que pretendem esconder-se atrás de opiniões jurídicas para justificar a não recondução.
É evidente que, numa avaliação que deve ser sempre feita, identificam-se erros, atrasos e omissões, pontos que carecem de correção ou de substancial melhoria na atuação da instituição a que preside a PGR.
Mas a verdade também é a de que houve muito de positivo, nomeadamente no romper de algumas aparentes amarras e na consolidação da imagem de que a atuação da justiça criminal o é cada vez mais para todos, incluindo para os detentores de diferentes tipos de poder, eliminando aparentes espaços de impunidade e privilégio.
Este poderoso fator de coesão e de desenvolvimento vale muito. O músculo que por esta via se obtém reflete-se na credibilidade e na confiança no sistema judicial, com consequências relevantes, embora de difícil parametrização, ao nível do bem-estar dos Portugueses, da confiança nas instituições e no sistema político, do investimento direto estrangeiro em Portugal, do emprego, entre outros.
O aprofundamento da autonomia do Ministério Público, desde logo através do reforço das condições de exercício da mesma, é a aposta a fazer, evitando transmitir mensagens de sentido contrário. Importa, sim, capitalizar com todo o caminho percorrido e providenciar melhores soluções tendo em vista a correção das deficiências existentes.
As reformas da justiça criminal em Portugal devem começar por identificar e fortalecer o que de bom ela tem já. Exige-se, portanto, uma rápida clarificação que elimine as dúvidas semeadas pelo Governo na matéria, reconduzindo a PGR, assim o possa e queira a própria, e esperando também que não se pretenda invocar algum acéfalo princípio de rotatividade de género como o já presente noutras áreas.
Este é um dos consensos de regime que se revela como prioritário ao olhar do cidadão. Esperamos que também assim o saiba ver quem se encontra legitimado para decidir.
Advogado, investigador no Lisbon Centre for Research in Public Law – Lisbon School of Law