A Inteligência Artificial é uma discussão muito pertinente nos dias de hoje. Estas centram-se em tópicos como o investimento necessário a formar pessoas ou investir em soluções nesta área. Outro dos temas são as questões da ética – o que podem e não podem as máquinas fazer? Será possível treinar algoritmos justos que não discriminem? Que garantam a transparência das suas acções? Quem beneficiará da riqueza gerada pelas máquinas?
Estas questões são muitas vezes abordadas de um ponto de vista pessimista mas a realidade é que já temos, hoje em dia, a ajuda de máquinas para desempenhar muitas tarefas. Nos próximos anos a utilização destes assistentes pessoais que são robots (programas de computador ou máquinas) irá multiplicar-se. E esta será a chave para o crescimento económico e para resolver alguns dos nossos problemas sociais. Criará outros, com certeza, mas nada de novo se considerarmos que profissões como condutor de Uber ou Gestor de Redes Sociais são bastante recentes, ou que há quem pague as contas recolhendo e carregando trotinetes eléctricas ao final do dia.
Quando não existem pessoas suficientes para fazer face à procura de talento (o que é o caso de alguns sectores da economia como a tecnologia ou o turismo), as soluções incluem treinar novas pessoas e requalificar profissionais para as áreas mais competitivas, assim como complementar estas políticas com outras que fomentem o aumento da produtividade. Esta é uma das razões que leva ao investimento em automatização, robotização e é aqui que a Inteligência Artificial nos pode ajudar nos próximos anos – este é aliás um investimento estratégico da União Europeia à semelhança do que está a ser feito nos Estados Unidos ou na China que já levam grande vantagem.
Esta revolução está já a criar assistentes que, dentro de alguns anos, serão usados para nos ajudar com tarefas que hoje fazemos manualmente ou que, por serem bastante repetitivas, nos consomem tempo considerável com pouco valor acrescentado. Desta forma, poderemos dedicar tempo produtivo a realizar tarefas de valor acrescentado. Mais ainda, estes assistentes podem ser usados não só para auxiliar os humanos nas suas tarefas mas também para treinar novas pessoas muito mais rapidamente.
Muitos destes assistentes são nada mais que programas de computador, como os GPS que substituíram os mapas em papel ou os agregadores de procura que permitem comprar viagens online em vez de termos de nos deslocar a agências (que não desapareceram no processo mas tornaram-se especializadas).
Estas tecnologias estão a ser desenvolvidas pelos suspeitos do costume como a Google ou a Amazon. Também a Uber planeia substituir as suas frotas automóveis por carros autónomos. E há também startups a desenvolver assistentes que automatizam tarefas como escrever e-mails, agendar reuniões ou tirar notas nessas mesmas reuniões.
E se algumas destas aplicações parecem relativamente banais, outras serão a solução para resolver problemas sociais, ao nível da saúde, por exemplo. Já há soluções no mercado como é o caso da Sword Health, que desenvolveu um assistente que acompanha pacientes em sessões de fisioterapia. Este assistente dedica-se a um paciente 100% do tempo, coisa que um técnico não consegue fazer. Isto não substitui o técnico mas permite-lhe acompanhar de forma personalizada cada um dos seus pacientes e obviamente acompanhar mais pacientes ao mesmo tempo, aumentando a sua produtividade (este é um caso óbvio de como é que um destes assistentes pode treinar novos profissionais mais rápido).
Outro dos exemplos na área da saúde vem da Estónia, que está a investir num projecto pioneiro para estudar a genética da população com recurso a sequenciação de DNA. Esta informação será a base para que os médicos tomem melhores decisões e possam prescrever medicamentos personalizados tendo informação detalhada de cada paciente. Com a possibilidade de prever doenças mais cedo é também possível investir em medicina preventiva e tornar o sistema de saúde muito mais eficiente.
Para mim, dos casos mais fascinantes é o investimento do Japão em robots para ajudar no acompanhamento da população idosa. Sendo um dos países mais envelhecidos do mundo, com cerca de 25% da população acima dos 65 anos (rácio que será de um terço em 2050), a solução para monitorizar pacientes, estimular algumas funções através dos jogos e rotinas de exercícios, ou mesmo comunicar com as famílias terá de passar pelas máquinas visto que não há pessoas suficientes.
Há com certeza questões éticas e de privacidade associadas ao treino das máquinas, mas não nos devemos focar unicamente nesses aspetos. As prioridades devem ser implementar medidas que possam acautelar estes problemas, assim como investir em educação tirando partido da forma como a tecnologia pode ser útil no treino de novos profissionais.
As máquinas não farão o nosso trabalho no curto prazo e até tal acontecer muitas outras profissões serão criadas. Portugal estará em vantagem se desenvolver estas tecnologias (vs ficar reféns dos “suspeitos do costume”), e estou certa de que encontraremos formas de equilibrar a riqueza resultante.
Cristina Fonseca é investidora e empreendedora tecnológica. É actualmente Venture Partner da Indico Capital Partners (o primeiro fundo de Venture Capital early-stage em Portugal) e co-fundou a startup Talkdesk (uma plataforma que permite a empresas criarem o seu call center na cloud). Engenheira de formação, foi reconhecida pela Forbes como “30 under 30”. Juntou-se ao Global Shapers Lisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Dalian (China).