Um tema de conversa frequente hoje em dia é a recolha de dados. Estes começaram por ser uma moeda em troca de serviços e foi assim que as tecnológicas disseminaram os seus produtos por um número crescente de utilizadores — temos contas de email gratuitas, usamos diariamente redes sociais pelas quais não pagamos e, em troca, aceitamos ver publicidade para além de recorrermos a motores de busca gratuitos para esclarecer muitas das nossas dúvidas. Hoje em dia esta recolha toma proporções que teriam sido difíceis de prever há uma década atrás — estas empresas conhecem os nossos hábitos e preferências (medidos pelos nossos comportamentos online), dados de localização, entre outros.

Esses dados têm sido habitualmente usados pelas empresas designadas tecnológicas para construírem negócios lucrativos sobretudo nas áreas de media e publicidade. Agora, estas empresas como é o caso da Google e do Facebook que reconhecem o potencial da base de utilizadores procuram oportunidades de negócio noutras áreas, dentro e fora do digital.

A mais recente tendência destas empresas é a saúde. Dois acontecimentos muito relevantes este mês marcam a importância deste sector para as empresas tecnológicas e a sua eventual entrada nesta área.

O primeiro desses acontecimentos foi o lançamento dos resultados de um dos maiores estudos científicos realizados, o “Estudo do Coração”, promovido pela Apple. Sim, leu bem — um dos maiores estudos cardiológicos de sempre foi promovido pela Apple em parceria com a Universidade de Stanford. Este estudo analisou como o Apple Watch pode ser usado para detectar fibrilação atrial, um tipo de arritmia associada a um risco aumentado de AVC. Foram recrutados mais de 400.000 participantes que tinham um Apple Watch.

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A recolha de dados para estudos científicos é uma das barreiras à investigação e os investigadores investem tempo e dinheiro significativos no processo de recolha de dados, sendo ainda assim difícil ter a escala necessária para produzir resultados científicos relevantes.

Por outro lado, as empresas tecnológicas acedem a cada vez mais dados que podem ajudar a avançar a ciência e é por isso normal que mais parcerias do género surjam. Da mesma forma, como paciente, e estando disposta a contribuir com a minha informação sobre os meus hábitos alimentares ou sobre exercício físico, provavelmente não terei disponibilidade ou a persistência para participar num estudo e reportar métricas específicas, a não ser que o esforço envolvido seja muito baixo. É este o potencial de dar apenas permissão à Apple ou à Google para recolher dados do meu telefone ou do meu tracker de actividade física como é o caso do Apple Watch ou do Fitbit. Fazendo-o com a promessa de que posso estar a avançar a ciência e ter informação de saúde relevante, o que tenho eu a perder?

Foi esta a premissa destes 400.000 utilizadores e o que motivou o lançamento de uma aplicação pela Apple de nome Apple Research que me permite utilizadores participar em estudos de saúde.

E quanto valem estes dados? Esta é a pergunta que me leva ao segundo acontecimento relevante do mês — a Google comprou a empresa de wearables Fitbit por 2.1 mil milhões de dólares. Matemática simples leva-nos a concluir que os 28 milhões de utilizadores activos da empresa valem 78 dólares cada um.

A Google justifica esta aquisição como sendo este o preço a pagar para conseguir melhorar os esforços de desenvolvimento de tecnologia de smart watches. Essa tecnologia vai potenciar mais colaborações com as universidades e oferecer-nos serviços “gratuitos“ que apreciamos. Mas que negócios estarão estas empresas a construir? Serão as próximas seguradoras as empresas tecnológicas? Ou os nossos melhores assistentes para a saúde preventiva?

Cristina Fonseca é investidora e empreendedora tecnológica. É actualmente Venture Partner da Indico Capital Partners (o primeiro fundo de Venture Capital early-stage em Portugal) e co-fundou a startup Talkdesk (uma plataforma que permite a empresas criarem o seu call center na cloud). Engenheira de formação, foi reconhecida pela Forbes como “30 under 30”. Juntou-se ao Global ShapersLisbon Hub em 2013 e é presença assídua em eventos do Fórum Económico Mundial, tendo já participado nos eventos de Davos (Suíça) e de Dalian (China).