Um aspeto crucial para a saúde mental, porém largamente desvalorizado nos dias que correm, é o simples facto de parar.

Na era da produtividade incessante e na cultura de “fazer sempre mais”, tirar um tempo para nós mesmos e “desligar” tornou-se quase um luxo. No entanto, este descanso é essencial para a saúde do nosso cérebro, orgânico e psicológico, e consequentemente, para a saúde mental e qualidade de vida.

Recebo constantemente na minha consulta pessoas exaustas e stressadas, quase à beira do esgotamento. Trabalham demasiadas horas, não têm tempo para lazer ou hobbies, para os amigos ou sequer para estar com a família em qualidade. Encontram-se presas num ciclo constante de tarefas e responsabilidades, sem tempo para respirar. Ir para casa deixou de ser sinónimo de descansar. São emails para responder e trabalhos para preparar para o dia seguinte, somados às tarefas familiares. Crescentemente as pessoas chegam à consulta de Psiquiatria a pedir medicação para “aguentar o mau momento”.

Teresa(*) é uma dessas pessoas. Na casa dos 40 anos, é executiva numa grande empresa, trabalhando muitas horas por semana. Veio à minha consulta há cerca de um ano, com queixas de cansaço constante, dores de cabeça frequentes e dificuldade em dormir. Apesar de atribuir esses sintomas ao stress do trabalho, rapidamente se tornou evidente que a Teresa enfrentava algo mais grave. Depois de várias consultas, percebemos que sofria de burnout. Esta condição, reconhecida medicamente, é caracterizada por exaustão física e emocional, desmotivação e redução do desempenho no trabalho. É uma resposta ao stress laboral prolongado e excessivo. O burnout não deve ser confundido com apenas estar cansado; é um estado de esgotamento mental e físico com origem no trabalho mas que pode alastrar para todos os aspetos da vida.

Felizmente, conseguimos ajudar a Teresa. Foi encaminhada para psicologia, que a ajudou a aprender estratégias de gestão de stress e a encontrar um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. Conseguiu tirar umas férias para descansar e, contrariamente ao seu pedido inicial, não lhe prescrevi medicação antes de tentarmos as alterações comportamentais, a abordagem psicológica e, sobretudo, incentivá-la a fazer o óbvio: dar-se tempo para descansar e repensar o equilíbrio entra a vida profissional e pessoal.

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Mas nem todos os casos se resolvem com uma simples intervenção comportamental. É o caso do Ricardo(*), professor do ensino secundário que, no meio dos tempos conturbados que a sua classe profissional enfrenta, se sentia desmotivado e sem energia. Apesar de adorar ensinar, começou a sentir que estava a perder o gosto pela profissão. Após uma avaliação profunda, descobrimos que o Ricardo não estava apenas com cansaço ou em burnout, mas que apresentava uma depressão disfarçada de falta de energia. A desmotivação já era na realidade uma depressão que drenava a sua energia vital, a auto-estima e até capacidade cognitiva.

Sofrer de depressão não é apenas sentir-se triste ou desinteressado. Também pode manifestar-se como falta de energia, dificuldades de concentração, alterações no apetite ou no sono, entre outros sintomas. Assim como no caso da Teresa, conseguimos ajudar o Ricardo a encontrar um tratamento adequado que, neste caso, teve de incluir medicação, além de psicoterapia e incentivo a reformular a sua rotina para incluir períodos de pausa. Com a recuperação física, psicológica e comportamental conseguiu-se revitalizar a sua energia perdida, assim como a sua paixão pela educação quando, apenas uns meses antes, planeava abandonar o ensino completamente.

Estes casos ilustram a importância de prestar atenção à nossa saúde mental. Aprender a distinguir entre o cansaço normal, o burnout e a depressão é essencial. A capacidade descansarmos adequadamente é fulcral, tanto para o nosso cérebro como a nossa saúde mental.

Por isso faço um apelo: cuide do seu cérebro começando pelo básico: descanse e permita-se verdadeiramente desligar neste período de férias. Ao retomar, preocupe-se em promover um equilíbrio entre o seu trabalho e a vida pessoal. Se não conseguir, e sobretudo se sentir que regressa ao trabalho cansado, pondere pedir ajuda. Não se acomode a um estado de desgaste permanente, que não deve ser a norma. A sua saúde mental agradece.

(*) Os nomes e detalhes foram alterados para preservar o sigilo.

Pedro Zuzarte é médico Psiquiatria, doutorado em Medicina e Professor Universitário de Psiquiatria na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. É Chefe de Serviço de Psiquiatria do Centro Clínico das Janelas Verdes (Ministério da Administração Interna).

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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