De acordo com a Pordata, em Portugal, em 2021, as vagas nas creches não chegavam para metade das crianças até aos 3 anos. Ainda assim, 48% das crianças portuguesas até aos 3 anos frequentam uma creche, enquanto, a média da União Europeia é de 36%.
Por outro lado, no pré-escolar, as crianças portuguesas são as que passam mais tempo no jardim de infância. Portugal tem a maior proporção de crianças (87%) que ficam no jardim de infância 30 ou mais horas semanais.
O número de horas que muitas crianças desde os 6 meses passam em instituições (creches, jardim de infância) deve ser alvo de reflexão por parte de toda a sociedade. Hoje há várias vozes que se levantam sobre a necessidade de reestruturar o paradigma educacional e os primeiros anos carecem de uma reestruturação perene.
Quando a mulher entrou no mercado de trabalho as creches e os jardins de infância tornaram-se um aliado para colmatar a necessidade do cuidar. Porém, beberam da mesma filosofia do conceito da escola. Carlos Neto descreve esta filosofia com a metáfora da escola-fábrica, predominante, no último século de uma era pós-industrial em que os trabalhadores (alunos) funcionam alternadamente entre tempo de trabalho (sala de aula) e tempo de lazer (recreio). Conceito este que está ultrapassado no tempo e já não faz sentido numa escola do século XXI, que se pretende humanizada e voltada para os desafios da sociedade. Numa escola modernizada as crianças devem circular entre espaços interiores e exteriores e contactarem com diferentes contextos de estimulação e que sejam desafiantes para as diferentes áreas de saber.
Claro, que todos os pais querem o melhor para os seus filhos, e há cada vez mais vontade em abraçar o conceito da parentalidade positiva abandonando o paradigma tradicional. Porém, há todo um contexto que determina que se façam as escolhas possíveis para determinado momento. Nos dias de hoje, vários estudos têm falado na sobrecarga de conciliar trabalho vs vida familiar, em especial nas famílias com filhos. Como vamos organizar e conciliar estes mundos? A vida pessoal, familiar e profissional tem um grande impacto na saúde mental, pelo que importa organizar estes campos para que se possa viver em harmonia.
É necessário alterar a organização da gestão do tempo familiar e laboral. Urgem políticas públicas que valorizem o tempo de qualidade familiar, sobretudo em famílias com filhos. Não se trata apenas de mais dias de férias, mas de mudar o tempo que se tem disponível para os filhos.
Precisamos de políticas que permitem a jornada contínua e a flexibilização de horários de trabalho como um direito adquirido em instituições públicas e privadas. Aliás a questão reside na falta de cultura e coragem para aplicar a legislação exigente.
Há situações de trabalho mais complexas (trabalho por turnos no comércio e tecido empresarial, saúde, transportes públicos e privados, forças de segurança…etc.). Nestes há que se fazer uso da força legislativa para ultrapassar as barreiras existentes quanto ao direito de tempo disponível para a educação adequada dos filhos.
Porque não podem as crianças sair às 16:30h da escola?
No norte da Europa os pais saem do trabalho com toda a naturalidade para ir buscar os seus filhos. Cá, há uma cultura que recrimina quem sai a horas, com se esse propósito. Vivemos acorrentados à ideia que o bom trabalhador é o que fica sempre para lá da hora, sem olhar à máxima que um bom trabalhador precisa de ter todos os campos da sua vida em harmonia.