Ah, as touradas! Esse ilustre espetáculo que une sangue, sofrimento e uma plateia entusiástica, sedenta por emoções fortes. É uma tradição cultural que, ao que parece, Portugal decidiu guardar com todo o zelo, como quem guarda um pergaminho amarelado de um tempo em que o empalamento ou o Berço de Judas eram as estrelas do entretenimento local. Afinal, por que avançar para o século XXI quando podemos permanecer aconchegadamente no XIII?
Para quem nunca teve o privilégio de assistir a uma tourada, eis um breve resumo: um magnífico touro entra na arena, cheio de força e dignidade. Mas essa imponência dura pouco, pois uma série de humanos armados e vestidos de forma teatral tratam de reduzi-lo a um estado de puro pavor e agonia. Espetam o animal com ferros enquanto uma plateia vibrante se deleita com cada gota de sangue. Aplaudem, riem e gritam como se assistissem ao ato final de uma comédia macabra. Certamente, o touro, essa criatura primitiva, não consegue compreender a profundidade cultural do que está a acontecer! Ingenuamente, ele pensa que está a lutar pela sua vida, quando, na verdade, está ali para “enriquecer a nossa tradição”. Pobre criatura, não entendeu que é um mero coadjuvante no espetáculo do ego humano.
Os defensores da tourada dizem que é “arte”, “cultura” e “tradição”. Sim, claro! Assim como a caça às bruxas era um ato de fé e o empalamento, uma técnica criativa de resolver disputas políticas na Idade Média. O sofrimento é apenas um detalhe insignificante. Como ousa alguém criticar algo tão rico culturalmente? É quase como se estivéssemos a questionar a relevância histórica das cruzadas ou das mutilações públicas. Tradição é tradição, não importa quantos gritos ecoem na arena.
Além disso, há quem diga que o touro “não sente dor como os humanos”, não são sencientes. Naturalmente, o touro deve agradecer, com lágrimas de gratidão, por ser dotado dessa peculiar insensibilidade, que o torna um perfeito alvo de lanças, como se fosse um saco de treino medieval.
A verdadeira estrela das touradas, no entanto, não é o touro, mas o público. Que reunião magnífica de almas iluminadas, reunidas para assistir ao sofrimento alheio em nome da “tradição”. Olhando para a plateia, não seria difícil imaginar que alguns deles sentiriam falta das execuções públicas e das mutilações para crimes menores. Afinal, o espírito medieval ainda vive, vibrante, nos seus corações.
Para essas pessoas, o que realmente importa é manter a chama de um tempo mais simples, quando os direitos humanos não existiam e a empatia era uma fraqueza. Qualquer um que se oponha às touradas é automaticamente rotulado como “inculto” ou “desconhecedor das tradições”. Porque, é claro, o verdadeiro conhecimento reside em se emocionar ao ver um animal ensanguentado lutar inutilmente pela sua vida.
Talvez as touradas sejam apenas o começo de um renascimento das grandes tradições medievais. Quem sabe, em breve, possamos reintroduzir o duelo judicial como método para resolver disputas legais ou os ordálios para provar a inocência do outro. Ou, quem sabe, caçar “bruxas” para animar as praças públicas, restaurando o sentimento comunitário perdido. Afinal, o que é a ética moderna senão um obstáculo ao prazer bruto de revisitar as glórias do passado?
Enquanto isso, o touro sofre na arena, lembrando-nos, com cada movimento agonizante, que o progresso humano pode ser uma ilusão. E que, para alguns, viver no passado ainda é muito mais atraente do que abraçar o futuro. Viva a redução do IVA para 6% nas touradas! Agora fica mais barato sermos “cultos”…