Talvez as redes sociais nos sugiram o contrário. Mas, da mesma forma como estamos (incessantemente) à procura de um post curioso que nos sossegue uma curiosidade cada vez mais insaciável, mais efémera e mais “descartável”, estarmos todos, em permanência, ligados uns aos outros, em vez de desencadear um engagement que nos aproxime e nos ligue, de facto, torna-nos cada vez menos capazes de nos escutarmos uns aos outros. Se bem que o problema, o maior de entre todos, não seja a forma – já de si, trágica – como não escutamos os outros. Mas o modo como não nos escutamos nem sequer a nós próprios. Reflectimos muito pouco sobre aquilo em que pensamos! E sobre tudo o que nos é dado a sentir. O que nos impede, acto contínuo, de escutar os outros. Sendo que aquilo que eles, a todo o momento, nos trazem são argumentos que servem para nos escutarmos, para nos vermos e nos conhecemos melhor. E para crescermos, claro. Como podemos, depois, reclamar, a empatia se escutar representa o primeiro degrau duma escadaria que nos leva até ela? Como não havemos, por tudo isso, de nos tornar mais desconhecidos de nós próprios, mais entregues a uma “solidão assistida” e menos empáticos se entre aquilo que fazemos por não escutar e o pouquíssimo que falamos sobre tudo aquilo que reflectimos se enovela num silêncio que teima e que teima em não se desembrulhar?
Talvez seja por isso que sempre que interpelamos alguém com uma reclamação qualquer, a justificação mais banal sobre o que correu mal ou passa pelos “estamos problemas no sistema” ou pelos “problemas de comunicação”. Em resumo, são sempre problemas de comunicação… Diante disso – dito, regra geral, com um olhar que “raspa” na altivez – (não sei se vos acontece, também) eu reajo sempre com um enorme desconforto. Em primeiro lugar, porque esse argumento tolhe ou (se não nos intimida), pelo menos, atrapalha. Depois, porque os “problemas de comunicação” equivalem ao “lamento…” (ao “temos pena”, dos adolescentes) que não é um “desculpa!” (um pedido, ressalve-se, que espera do outro o discernimento de sentir a autenticidade desse sentimento de culpa, aliviando-o com um “desculpo!”). O que nos sugere que assumir-se o “erro humano” se tornou “interdito”. Ou, pelo menos, que está fora de moda. E, finalmente, porque os “problemas de comunicação” são uma maneira de alguém nos impingir parte da sua culpa e dividir connosco as responsabilidades daquilo que pode ter feito. Muito menos humilde do que todos os “foi ele que começou!”, tão grato aos nossos filhos e a alguns políticos. E muito distante do “desculpa lá…”, dos nossos amigos, que ora faz do “lá” uma versão minimalista do “vá laaaaá…”, como o transforma num “bla bla bla” – que os adolescentes aproximam, muito rapidamente, da “tanga” – e que compromete o “desculpa” que o acompanha.
Como é que escutando tão pouco, falando menos ainda, e aproveitando de modo tão escasso as oportunidades de crescer com cada erro que não se assume, não nos havemos de desligar em vez de nos ligarmos uns aos outros, e não havemos de nos tornar indiferentes em vez de sermos empáticos e cúmplices e gratos de cada vez que o eu dos outros vem até nós e faz do nosso um eu em que, por via disso, nos reconhecemos muito mais?