Há alguns dias escutava alguém dizer que não existem casos sociais em saúde mental, que o que existe são apenas pessoas muito doentes. Pois bem, permitam-me discordar.

Diz-nos a Organização Mundial de Saúde que Saúde Mental é um estado de bem-estar subjetivo, que implica muito mais do que somente a ausência de doenças mentais e que deve ser entendida como o resultado de um conjunto de interações entre fatores não só biológicos, mas também psicológicos e sociais que a condicionam.

Têm sido realizados vários estudos em países com diferentes níveis de desenvolvimento, que mostram que existem vários determinantes da saúde mental que são comuns. As pesquisas têm demonstrado a importância dos determinantes sociais e económicos na génese da manifestação das perturbações mentais, ampliando o sentido de saúde mental como uma experiência subjetiva, que é uma experiência de bem-estar resultante de um equilíbrio dinâmico que envolve os aspetos físico e psicológico do organismo, assim como suas interações com o meio ambiente natural e social.

A complexa relação existente entre a pobreza e a doença mental tem sido exaustivamente estudada. Investigações realizadas neste âmbito apontam a pobreza material como um fator de elevado risco no desenvolvimento de doença mental.

O desemprego, a baixa escolarização, a desestruturação familiar e o estigma a que os mais pobres estão sujeitos, isto é, o contexto social desfavorável em que o indivíduo está inserido, têm uma grande influência na posição social que o mesmo ocupa, que, por sua vez, vai influenciar o seu nível de saúde mental, tornando-o mais vulnerável, podendo este vir a sofrer de doença mental. Nesta lógica, e fazendo menção às palavras utilizadas pelo Diretor do Programa Nacional para a saúde mental, Dr. Miguel Xavier, numa das suas entrevistas para a imprensa, “Portugal tem que passar a ter em linha de conta a questão da saúde mental quando está a planear e a desenvolver políticas laborais, de segurança social e educacionais”. É necessário que a saúde mental esteja em todas as políticas.

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Ainda que a criação do Serviço Nacional de Saúde tenha permitido uma cobertura mais abrangente e equitativa dos serviços de saúde e o financiamento pelo Estado possibilitado aos cidadãos o usufruto do direito à saúde, universal, geral e gratuito, independentemente das suas capacidades económicas, a pobreza limita fortemente o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde mental. Por outro lado, se os cuidados médicos de saúde mental melhoram os sintomas e o prognóstico das doenças, não são suficientes para melhorar a qualidade de vida das pessoas, as suas condições de vida, sociais e económicas.

A saúde mental deve ser abordada de forma holística, estudada como um fenómeno multidimensional, que envolve aspetos físicos, psicológicos, sociais e culturais, todos interdependentes e não arrumados numa sequência de passos e medidas isoladas para atender a cada uma das dimensões apontadas. A intervenção nesta área exige, por isso, a colaboração multidisciplinar e intersetorial para alcançar a melhoria das condições em que as pessoas nascem e vivem e também dos níveis de saúde das populações numa perspetiva de saúde pública, que inclui a promoção da saúde, a prevenção das doenças e a reabilitação. Todos os elementos da equipa devem ser capazes de reconhecer aquilo que lhes falta e que podem ou devem receber os outros, através da flexibilização dos limites e competências de cada um.

O Assistente Social é membro integrante da equipa de profissionais envolvidos na prestação de cuidados psiquiátricos, cabendo, a este profissional a realização da parte social da prestação destes cuidados.

O Serviço Social na Saúde, relacionado com a prática profissional dos trabalhadores sociais na saúde, difere de outros tipos de intervenção social não só pelo facto de ser exercido em contexto hospitalar, como também pelo facto de a sua intervenção estar direcionada para o atendimento de distúrbios psicossociais gerados pela doença (ou que possam estar na sua origem), cujas consequências afetam não só o indivíduo mas também a conjuntura mais próxima. Neste contexto, a nossa profissão encontra um lugar privilegiado para desenvolver a sua prática, contribuindo para a elaboração do diagnóstico psicossocial dos doentes e do seu plano integrado de cuidados.

A pessoa com experiência em doença mental fica, muitas vezes, encerrada numa concha protetora que evita que se confronte com as dificuldades de participação na comunidade, bloqueando a sua aprendizagem da vida social. O Assistente Social assume um papel de destaque no trabalho desenvolvido junto do doente, família e comunidade. Neste círculo complexo e muitas vezes fragmentado, este profissional torna-se mediador. É no Serviço Social que é depositada a esperança de que, em situação de doença, muitas vezes com grande dependência, se corte em definitivo com a espiral de solidão e individualismo em que as pessoas se encontram.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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