Foi com enorme estupefação que o sector automóvel recebeu a notícia de que o novo Orçamento do Estado vaticina o fim dos incentivos fiscais à compra de veículos híbridos que não percorram 50 quilómetros em modo elétrico, ou não emitam menos de 50 g/km de CO2. A medida revela o desconhecimento que resulta da falta de comunicação do Governo para com o setor. Desde logo, porque, no caso dos híbridos convencionais, nem sequer é tecnicamente possível medir o critério dos quilómetros percorridos, porque tal requisito não consta das homologações!
Ao longo dos últimos anos, a indústria mostrou um esforço de adaptação à procura de mercado, transferindo a sua produção para modelos considerados mais sustentáveis, consoante a legislação em vigor. Agora, depois de o sector ter reajustado a produção ao crescimento da procura – e no meio de uma crise pandémica sem precedentes que, por si só, dificulta o escoamento dos veículos produzidos –, vem reduzir-se e, no caso dos híbridos convencionais, eliminar esse mesmo incentivo. Numa contradição inédita, assume-se que os modelos que mais ajudariam na transição energética e na descarbonização são, afinal, uma farsa.
Esta medida é uma inversão na política de redução das emissões médias de CO2, tal como a União Europeia definiu. Portugal é um dos países mais próximos de atingir as emissões médias de 95/g de CO2, tendo atingido uma média de 98g/CO2 no primeiro semestre. Estamos, com este valor, em terceiro lugar a nível europeu! Mas, como recentemente o Comissário Europeu do Ambiente referiu, os veículos híbridos são fundamentais para se atingirem as metas de descarbonização, dado que, no imediato, os veículos exclusivamente elétricos não são, de todo, suficientes para tal. E nem a indústria teria capacidade para produzir maioritariamente aqueles veículos. Com a medida agora aprovada, o consumidor não tem qualquer incentivo para adquirir veículos que emitem menos 35 por cento de CO2, face aos modelos convencionais a gasolina ou gasóleo. É um autêntico retrocesso.
Mas o mais grave é a falta de confiança que este tipo de medida vai gerar. Um país que sistematicamente altera as normas fiscais, sem qualquer contacto com os representantes dos sectores afectados, só pode criar uma má imagem externa e provocando, assim, uma falta de confiança dos agentes económicos no Estado de Direito. Um exemplo, com a medida agora aprovada, é o facto de as empresas terem adquirido viaturas com um determinado enquadramento fiscal e, subitamente, esse quadro é alterado e as empresas veem a sua carga fiscal agravada. Tal acontece com as alterações das regras de tributação autónoma para os veículos híbridos plug-in.
Por outro lado, as empresas do nosso sector fazem as encomendas, às fábricas, com seis meses de antecedência. Ora, o facto de só se ter conhecimento, no dia 26 de novembro, de um agravamento da carga fiscal que entra em vigor a 1 de janeiro, vem criar um grave prejuízo para as empresas, num ano que é já de grave crise económica devido à pandemia. É inconcebível não ter existido pelo menos um período de transição para as empresas poderem escoar os veículos já encomendados!
Ora, é aqui que questionamos se, com este tipo de práticas, poderemos, realmente, ter confiança no Estado de Direito.
O fim dos benefícios para a compra de híbridos acarreta, portanto, uma falsa aparência de preocupação com o ambiente. Enquanto isso, condena-se exclusivamente um sector que representa 8% do PIB nacional e que garante uma receita fiscal de quase 10 mil milhões de euros – ou seja, 21 por cento das receitas fiscais totais do Estado – e que é o primeiro sector exportador do país!
O fim de benefícios para híbridos vem intensificar o “estado de emergência” que o sector automóvel estava já a atravessar. As quebras nas vendas superam os 36,5%, a segunda maior queda percentual da União Europeia.
A recuperação económica do país está directamente ligada ao nosso sector e, por isso, tudo faremos para tentar construir um futuro sustentável para a indústria que a ACAP representa. A regressão de políticas, a que agora assistimos, prejudica a renovação do parque automóvel e ignora o investimento de milhões de euros das marcas em soluções ambientalmente sustentáveis, com vista ao cumprimento das metas a que Portugal se propôs. O sector não pode agradecer. O ambiente também não. Estas medidas servirão, por isso, a quem?