Por vezes amigos e pessoas conhecidas dizem-me que devia ser mais contido, falar menos, escrever menos e, sobretudo, contestar menos, nomeadamente em relação a quem nos governa, pois além de criar uns quantos inimigos arrisco-me a sofrer represálias pessoais e profissionais. A minha resposta é: num país supostamente democrático, num Estado de Direito Democrático ninguém deve ter medo de dizer o que pensa nem de emitir a sua opinião, naturalmente com respeito e educação. É essa, a beleza (entre outras) da Democracia.
Democraticamente não consigo ficar calado, estou indignado com o que vi e ouvi no passado dia 13 de Outubro na SICNOTICIAS, ao ver uma entrevista ao Padre Lino Maia, Presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), a propósito das declarações do Presidente da República sobre os casos de pedofilia na Igreja (assunto que não vou abordar aqui) e que termina com o jornalista a colocar várias questões relevantes ao Presidente da CNIS sobre o sector social.
A comunicação social, infelizmente, não quer saber deste sector, não lhe dá a devida atenção e nunca é notícia a não ser por más razões de casos isolados, de negligência, etc. Veja-se, por exemplo, quando se fala em Orçamento de Estado, crises neste e naquele sector, programas de apoio para este sector e aquele, o sector social é como se não existisse. O mesmo se passa na saúde no caso dos cuidados continuados (verdadeiros hospitais de 2ª linha) aos quais ninguém dá a devida importância.
No entanto, desta vez, o jornalista Miguel Prates colocou questões muitíssimo pertinentes, de forma clara e directa, sobre os verdadeiros e graves problemas que este sector atravessa. Obrigado Miguel Prates, pois nunca tinha visto nenhum jornalista em nenhum órgão de comunicação social fazer perguntas tão objectivas, o que revela conhecimento e preparação. Um verdadeiro serviço público daquilo que deveria ser o verdadeiro jornalismo.
Quanto eu gostava de estar no lugar do Presidente da CNIS para responder àquelas perguntas. Como não estava, vou tentar responder através deste artigo.
O jornalista pergunta por que razão o Presidente da CNIS assinou os acordos de compromisso para o sector social bem como o pacto social (que fez 25 anos em 2021), os quais não estão a ser cumpridos pelo Estado, e questiona se considera ser a melhor pessoa para continuar à frente da CNIS. Este não responde à pergunta, somente diz que está disponível para continuar a servir.
Mas respondo eu:
- O Presidente da CNIS, em 2017 e 2018, assinou com o Governo os aumentos dos cuidados continuados e o governo não cumpriu. O que fez? O que disse? Nada.
- O Presidente da CNIS, no ano passado, assinou o aumento de 6% em cuidados continuados de longa duração e depois, na prática, o governo aumentou 4,9%? Que disse, que fez? Nada.
- O Presidente da CNIS, sobre o Pacto social assinado no ano passado, em que o Primeiro-Ministro se comprometeu a chegar aos 50% do pagamento dos custos das várias respostas sociais e que este ano não cumpriu (ao contrário do que diz o Presidente da CNIS que se deram passos nesse sentido. Não, não deram, é falso). Que fez ou disse? Nada.
- Tivemos dois anos de pandemia, em que todo o sector da saúde recebeu reforço orçamental para fazer face ao brutal aumento de custos. Para os cuidados continuados nem 1 cêntimo. Uma enorme discriminação, diria mesmo perseguição. Que fez ou disse o presidente da CNIS? Nada.
- No Compromisso de 2022, assinado em Julho, não contemplou aumentos para os cuidados continuados, ao contrário dos aumentos insuficientes para o sector social. Ficou assinado que até dia 15 de Setembro o Governo se comprometia a aumentar os preços (que em 13 anos aumentou uma única vez). Mais uma vez o Governo não cumpriu e escrevo este artigo no dia 14 de Outubro. Que fez ou disse sobre o assunto? Nada. Acrescento que o Presidente da União das Misericórdias, precisamente a 15 de Setembro e quando todos os representantes de sindicatos e entidades patronais criticaram as medidas do Governo paras as famílias e empresas, este, espantosamente, no noticiário da meia-noite na TSF, elogiava as medidas do Governo. Nem sequer uma palavra para dizer que naquele mesmo dia terminara o prazo de um compromisso que ele também assinou e que o Governo não cumpriu, e teve uma excelente oportunidade para o fazer. Espanta-me que estes dois senhores que representam a esmagadora maioria do sector social e dos cuidados continuados em Portugal se comportem como membros do partido que suporta o Governo ou mesmo como sendo membros do Governo, em vez de representarem os seus associados. Ao serem coniventes com o Governo prejudicam aqueles que deveriam representar e por arrasto todo um sector social e da saúde. Lamentável a todos os títulos.
- Não há pessoas para trabalhar neste sector, daí que, por vezes, haja casos de negligência, infelizmente, tal é a falta de recursos humanos. E muitos dos que existem estão mal preparados ou simplesmente não estão talhados para estas tarefas. A diminuição da subsidiodependência podia ajudar, bem como a imigração, e o Governo anda há meses a prometer facilidades para os imigrantes mas até agora nada se pode concretizar para importar mão-de-obra. Que disse sobre este assunto? Nada.
- A tabela salarial da CNIS (pela qual se regem a maioria das IPSS) é miserável. Um director que está no escalão máximo ganha 1.244,00 euros e nem sequer chega à média salarial da Função pública (1.536,00 euros) e está longe dos 1.320,00 euros que o Primeiro-Ministro quer que as empresas paguem a jovens em início de carreira. Que tem a dizer sobre isto? Nada.
- O Governo, no dia 15 de Setembro, anunciou medidas para as IPSS. Mais dívida através de uma linha de crédito de 125 milhões e também 125 milhões para apoios aos custos no Gás. Por acaso sabem que afinal o apoio é de 5 milhões? (os 125 são propaganda), ou seja ridículo, e que as IPSS foram deixadas de lado no programa que o Governo criou para apoiar os custos com energia das empresas? Os custos com energia subiram exponencialmente para muitas IPSS (passou-se de 0,015€ o kwh no gás (sim, 1 cêntimo e meio, não é erro) para 0,20€ e na luz de 0,05€ para 0,32€). Acresce a inflação brutal que aumenta todos os outros custos. Que diz o Presidente da CNIS sobre isto? Nada.
- O jornalista, mais uma vez e muito bem, questiona como é que as IPSS têm dívidas que não conseguem pagar e se mantêm a funcionar, bem como o facto de haver Instituições a fechar portas, pois o financiamento não é actualizado. Tal e qual a realidade. Mais uma vez, o Presidente da CNIS foge às questões directas do jornalista. Mas infelizmente é a realidade. IPSS que fecham valências, outras que encerram totalmente a sua actividade, diminuindo assim o apoio a crianças, jovens e adultos com deficiência e idosos. No caso dos cuidados continuados, por exemplo, este ano já encerraram duas unidades por insolvência, outra anunciou que iria encerrar no final do ano e em 2021 já tinham fechado mais. Não tenho dúvidas de que este ano e no próximo haverá uma hecatombe neste sector por força do subfinanciamento provocado pelo Governo.
- O Governo anuncia 100% a fundo perdido do PRR para construir equipamentos sociais e de saúde mas na realidade representa cerca de 25 a 30% do investimento, pois com o custo elevado do m2 (entre 1.500,00 euros a 1.600,00 euros) fica muito longe dos pouco mais de 600,00 euros o m2 que o Governo estimou. O mesmo se passa no Programa PARES. Que diz o Presidente da CNIS sobre esta matéria? Nada.
- À pergunta do jornalista sobre a actualização de valores para as IPSS face à inflação, mais uma vez o Presidente da CNIS nada responde, limitando-se a comentar a fiscalidade quando isso não é sequer o maior problema e desculpando o Governo com a guerra na Ucrânia. Esqueceu-se de dizer que a guerra na Ucrânia não impede o Governo de aumentar os funcionários públicos mas impede de aumentar os salários do sector social, que este senhor deveria ser o primeiro a defender.
Este Governo tem sido, desde 2015, uma verdadeira Troika e uma verdadeira austeridade para o sector social/saúde/educação apenas e só por preconceito ideológico e tem uma agenda escondida de encerrar estas instituições aos poucos, à medida que, também aos poucos, vai criando oferta pública para substituir a que vai encerrando. Mais valia serem honestos e assumir aquilo que pretendem – nacionalizar estes sectores e passar tudo para a esfera do Estado.
Em 7 anos de Governo, apenas em 2 anos os valores de aumentos nas comparticipações do Estado foram suficientes para cobrir os aumentos do salário mínimo nacional. Aos outros trabalhadores que ganham acima disso não é possível ter aumentos e há IPSS que não aumentam os salários aos seus trabalhadores há mais de 10 anos. Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente da CNIS, nós, nas IPSS, e em particular nos cuidados continuados, queremos em Janeiro de 2023 aumentar em pelo menos 50,00 euros todos os trabalhadores, tal e qual como na função pública, pois prestamos igualmente um serviço público mas auferimos metade do valor. Agradecemos que nos dêem as condições financeiras para isso. O Governo anunciou já para 2023, 50,00 euros de aumento do SMN, que chegará aos 900,00 euros em 2026. Ou seja, em 2026 licenciados e indiferenciados passarão a ganhar todos o mesmo, tal e qual como em Cuba e noutros países comunistas/socialistas.
As exigências legais são cada vez maiores – o que implica mais custos. No entanto, as verbas a pagar pelo Estado não acompanham essas exigências que o mesmo faz, para que as IPSS possam cumprir bem a sua missão.
Há IPSS desesperadas sem dinheiro para cumprir a sua elementar missão e têm de escolher entre pagar salários ou as facturas da luz e do gás.
Por fim, termino como comecei, com educação e respeito mas frontal e directo a dizer o que penso. Nada me move contra estas pessoas do ponto de vista pessoal e nem sequer as conheço. O Sr. Presidente da CNIS diz que está cá para servir (referindo-se à sua recandidatura ao lugar). Pois eu sugiro-lhe a si, e já agora também ao Presidente da União das Misericórdias, que sirvam o vosso País mas também as organizações que representam, e se afastem, vão gozar a reforma e deixem os lugares para alguém que verdadeiramente defenda as organizações, os utentes que beneficiam dos seus serviços e os trabalhadores.
A ANCC já pediu para reunir com ambos numa lógica construtiva para debater os problemas do sector dos cuidados continuados e nem sequer se dignam a responder. Pela nossa parte fica novamente aqui o convite para que o façam. Para bem do sector, mas sobretudo para bem do País.