Como acontece com todos nós, eu acho que já disse um ror de vezes: “Façam as pazes!”. Sobretudo quando tentava persuadir os meus filhos a deixarem-se de arrufos e a “serem amigos”, outra vez. No meu caso, repeti as “fórmulas” que fui escutando enquanto cresci. O que fez com que nunca tivesse questionado a intenção que estava muito bem “embrulhadinha” nesse conselho.

Até ao dia em que parei e me perguntei porque diabo é que devo dizer aos meus filhos que têm de ser amigos uns dos outros. Desde logo, o “têm” tem qualquer coisa de imposição que faz da amizade uma conveniência. Uma espécie de “interesseirice”. Mais do que um acto de fé. Depois, serem “amigos”, quando se trata de serem irmãos, é pouco. É de menos. De certa forma, é “o mínimo dos mínimos” a que muitos irmãos podem aspirar quando se sentem estranhos uns para os outros e tentam não magoar os pais, sobretudo quando eles dizem, com todo o orgulho, que os filhos “são muito amigos” (quando talvez devessem ser só “muito irmãos”). E, depois, “as pazes”; claro. Duas pazes não são “a paz!”. Como, aliás, “façam as pazes” não significa “façam a paz”. As “pazes” são só possíveis quando duas pessoas fazem, cada uma por si, a sua “paz”. Vergadas à resignação de fazerem um acordo que, intimamente, não assumem como seu. Já “Façam a paz” quer, de certa forma, dizer: “Construam a paz”. “Trabalhem para a paz”. O que é bonito! Porque supõe desejo e humildade. Ou, doutra maneira: duas pessoas implicadas num mesmo desejo de encontrarem, em tudo aquilo que as liga, formas de superar aquilo que as separa. Aprendendo a ser humildes. Uma com a outra. Em nome de uma mesma procura que as aproxima, que as move e que as une. Às duas. “Façam a paz” não supõe: “esqueçam as vossas diferenças”. Mas, ao contrário: “Não lhes fujam!”. “Batalhem por elas”. Enquanto lutam por fazer a paz.

Todas as pessoas que me disseram “façam as pazes” me queriam bem. Tal como eu, quando repeti aquilo que aprendi. Mas acho que nenhum de nós pode ter reparado que não há como sermos felizes fazendo as pazes. Os irmãos, quando brincam, fazem a paz. Quando conversam, enquanto se escutam, fazem a paz. Quando entram num “faz de conta” fazem a paz E, até, quando vivem um confronto e um conflito, de  forma leal, fazem a paz. Mas, depois, quando se trata deles viverem aquilo que sentem e os separa; quando precisam de ser parvos e tolos, até; ou de assumirem uma picardia e de se travarem de razões, em vez de os deixarmos ir “até ao fim”, connosco a arbitrar, ficamos quase sempre pelo “Parem com isso!”  “Sejam amigos”. E “façam as pazes!”. E, quando damos por isso, cresce a ideia de que um confronto ou um conflito poder tornar-se uma ameaça à paz. E não é: aproxima os irmãos como mais nada. Mas, depois, os nossos filhos crescem. E entram, como nós, numa vida muito pouco amiga do tempo e da palavra. E os conflitos não se vivem nem se falam: antes se evitam (em nome das “pazes”). É engraçado reparar como a relação entre os irmãos nos condiciona – tanto como a relação com os nossos pais – quando, se trata de sermos felizes.

Somos felizes quando fazemos a paz. E sempre que chegamos a ela tornamo-nos irmãos. É mais ou menos isso que tenho tentado dizer até agora. Ou, melhor: de início, somos só filhos dos mesmos pais. Mas são precisos imensos “façam a paz” para nos tornarmos irmãos. E, então sim, sermos felizes com isso; claro. E só depois irmãos para sempre.

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