A semana de cinco dias foi uma das conquistas do 25 de Abril. Nos meses a seguir à revolução, a redução da semana de trabalho foi reivindicada em vários setores, entre eles na administração pública.
Passados 50 anos, as revindicações laborais dos trabalhadores do estado – professores, médicos, forças de segurança ou funcionários judiciais – voltaram a fazer manchetes nos jornais. Nos últimos meses tornou-se óbvio o problema em várias áreas do setor público: a remuneração é baixa em relação às condições de trabalho. Ambas se deterioraram nos últimos anos, criando um problema sistémico na área de recursos humanos, com vários profissionais a abandonar a carreira e dificuldades na renovação da força de trabalho. Este problema, com impactos evidentes na prestação de serviços públicos, é reconhecido por todos os partidos e a solução parece consensual – um aumento generalizado dos salários.
Quais os aumentos necessários para pacificar estas ocupações? 5%, 10%, 15%? E quanto vai custar aos contribuintes? Aumentos de salários são a forma mais fácil e imediata de resolver problemas pontuais de recursos humanos, mas quando o problema é sistémico, existem melhores formas de valorizar os empregos. E se voltássemos a equacionar a redução da semana de trabalho na função pública?
A atratividade de um emprego aumenta quando se melhoram os horários de trabalho. Engane-se quem pensa que os médicos trabalham 35 horas por semana. Os médicos internos realizam 240 horas extraordinárias não remuneradas por ano e um terço faz turnos de 24 horas. As consequências são dramáticas: um em cada quatro médicos internos têm sintomas graves de burnout. Num inquérito recente aos professores, as duas principais preocupações apontadas eram o excesso de trabalho (60%) e a saúde mental e bem-estar (53%). O salário era a principal preocupação de apenas 16% dos inquiridos. Noutro inquérito realizado pelo PlanAPP a 14 mil funcionários públicos, mais de 80% querem a semana de quatro dias.
Algumas empresas reduzem a semana de trabalho como alternativa a aumentos salariais. Os sindicatos suspeitam deste proposta porque implicitamente acreditam (tal como muita gente) que o tempo é menos valioso que o dinheiro. Eu acredito precisamente no contrário. Para além do aumento do salário por hora imediato, no projeto-piloto da semana de quatro dias no setor privado, ficou claro que o valor atribuído pelos trabalhadores ao tempo adicional é enorme. Ficou também claro que é eficaz na redução dos sintomas negativos de saúde mental e na melhoria da conciliação entre vida profissional e pessoal, algo que duvido que aumentos salariais consigam.
Qual seria o custo de uma semana de quatro dias na função pública? Para manter o mesmo serviço, uma redução das horas trabalhadas implica a contratação de mais funcionários. Uma visão ‘contabilística’ dirá que uma redução de cinco para quatro dias de trabalho (20%), obriga à contratação de mais 25% de trabalhadores – um número incomportável… se fosse realista.
Por um lado, não devemos esperar 20% na redução das horas trabalhadas. Uma das participantes no projeto-piloto: a Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), implementou a semana de quatro dias, reduzindo de 35 para 32 horas (aumentou as horas diárias de 7 para 8). Esta redução de 8.6% é um bom benchmark para o setor público. Mais: com ajustes nas férias e nas semanas com feriados, estaríamos mais perto de uma redução de apenas 5% das horas anuais.
Por outro lado, o projeto-piloto demonstrou que é possível ganhos de produtividade por hora que compensem a redução das horas, mesmo em setores onde parece impossível. Na creche gerida pela Caminhos da Infância, reduziram as horas trabalhadas de 35 ou 37.5 para 30 horas (redução de 14.3% ou 20%) e conseguiram implementar a semana de quatro dias, apenas com a contração de mais uma trabalhadora em 22 (um aumento de 4.5%). A elevada taxa de absentismo, frequente nestes setores, obrigava a um sobredimensionamento da força de trabalho. No novo sistema de rotação de turnos, o absentismo caiu a pique porque as trabalhadoras que tinham de faltar, trocavam o dia de folga. Este é um bom exemplo para o SNS que recorre com frequência ao ‘trabalho extraordinário’, contratando tarefeiros que tapam os ‘buracos’ gerados em grande parte pelas taxas de absentismo que dispararam durante a pandemia. No SNS, em 2021, fizeram-se 22 milhões de horas extra que custaram 530 milhões de euros.
As empresas participantes no projeto-piloto também demonstraram que para implementar bem a semana de quatro dias é preciso mudar a organização do trabalho, simplificar processos e adotar nova tecnologia. No caso da administração pública, a implementação pode (e deve) vir a par de um processo de desburocratização que limitaria a necessidade de contratação adicional e que nos beneficiaria a todos.
Estes exemplos mostram que, se implementada de forma a potenciar os aumentos de produtividade, o custo para o setor público será muito mais baixo do que podemos pensar à partida. Mas, para estimar ao certo este número precisamos de experimentar.
Entre aumentos salariais ou a semana de quatro dias, para avaliar qual oferece melhor relação custo-benefício precisamos de saber: (1) qual é o aumento salarial que satisfará as revindicações, (2) qual o valor atribuído à semana de quatro dias pelos trabalhadores da função pública, e (3) qual seria o custo de implementação. Se o primeiro número vamos descobrir em breve, os dois últimos são uma incógnita. Mas não têm de ser. Ao longo do último ano, o PlanApp e a DGAEP desenvolveram um estudo sobre a organização do tempo de trabalho na Administração Pública. Na segunda fase deste estudo, da responsabilidade do reputado e independente economista da Universidade do Porto, Pedro Gil, está prevista a realização de uma experiência-piloto da semana de quatro dias em organismos públicos. A informação recolhida seria vital para que, no futuro, se possa tomar a decisão que melhor valorize o setor público. Só precisam de luz verde.
Professor Catedrático de Economia em Birkbeck, Universidade de Londres. Autor de Sexta-Feira é o Novo Sábado. Coordenador do Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias organizado pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.
Aceda ao Relatório Intermédio do Projeto-Piloto de Dezembro de 2023. O Relatório Final será publicado nos próximos meses.