Os resultados preliminares são maioritariamente positivos: 95% das empresas que testaram a semana de quatro dias avaliam a experiência positivamente e os trabalhadores relatam melhorias a nível de stress, ansiedade e da conciliação da vida familiar e profissional. Mas nem sempre é possível usufruir do dia extra: 25% dos participantes diz que não conseguia fazê-lo sempre ao fim dos três meses iniciais.

Os resultados preliminares do projeto-piloto foram divulgados esta terça-feira, sendo que o relatório final só será conhecido em abril. Das 46 empresas que tinham passado à segunda fase do projeto-piloto da semana de quatro dias, a da preparação, apenas 21 avançaram para a fase de implementação (20 começaram em junho e uma em julho); outras 20 já tinham adotado o modelo antes, de forma autónoma, mas também puderam aceder a ajuda técnica dada pela coordenação do projeto.

As empresas podiam implementar diferentes modalidades do regime, desde que garantissem uma efetiva redução das horas de trabalho semanal e aumentassem os dias livres dos trabalhadores. Em média, as 41 empresas que responderam ao inquérito diziam, em outubro, ter reduzido os horários em 13,7%, de 39,3 para 34 horas. Já os trabalhadores relataram uma diminuição de horas em 11,3%, de 41,1 para 36,5 horas. Atendendo a estes dados, quer dizer que não houve uma redução transversal para as 36 horas, como era objetivo do projeto. Ainda assim, a percentagem de trabalhadores que fazia 40 ou mais horas diminuiu de 78% para 21%. Outro requisito era que as empresas não reduzissem os salários dos trabalhadores para poderem participar.

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Na maioria dos casos (58,5%) os trabalhadores têm um dia livre por semana, enquanto 41,5% optaram por uma quinzena de nove dias, alternando uma semana de quatro dias com uma semana de cinco dias. Nalguns casos, houve quem tivesse aumentado o horário diário para folgar mais um dia. Das 41 empresas analisadas, 23 optaram por um modelo uniforme em que trabalhavam quatro dias por semana e, destas, apenas oito definiram a sexta-feira como o dia livre (para outras, em que tinham de estar sempre em funcionamento, foi necessário distribuir os dias de folga pela restante semana, ou com uma rotação do dia livre por turnos ou pela criação de equipas espelho que folgam em dias diferentes).

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Também há empresas em que o dia livre é “condicional”, ou seja, apenas é concedido se o trabalhador cumprir determinadas tarefas ou se não houver solicitações de clientes. “Várias empresas, sobretudo as de maior dimensão, optaram por múltiplas soluções, dependendo do tipo de função e do ritmo de trabalho de cada área”, lê-se no relatório.

Antes e ao longo da experiência, as empresas tiveram sessões individuais ou em grupo de preparação e formação. A maior parte das organizações são do setor tecnológico, mas também há um jardim de infância, um centro social, um centro de investigação, um banco de células estaminais, entidades do setor social, indústria e na área da formação e consultadoria em gestão. A grande maioria aderiu ao projeto-piloto para reduzir os níveis de stress e facilitar o recrutamento. “Muitas empresas assumem-na [a semana de 4 dias] como uma alternativa aos aumentos salariais”, indica o relatório.

Chegar a horas às reuniões, evitar convívios na máquina do café

Pedro Gomes, coordenador da semana de quatro dias, diz que foi preciso uma “adaptação cultural” das empresas à semana de quatro dias, que “obriga a uma relação diferente de toda a gente com o tempo”. “É preciso respeitar mais o nosso tempo e dos nossos colegas, é preciso chegar a horas às reuniões, para que as pessoas não fiquem a espera, é preciso não falar de futebol com os colegas ou pausas para cafés mais longas, nalgumas empresas foi difícil noutras foi fácil”, concluiu, durante a apresentação.

Alexandra Beirão Mendes, diretora de recursos humanos da Crioestaminal, uma das empresas participantes, relatou que houve, entre os colaboradores, quem tivesse mostrado receio com a implementação do projeto-piloto, por ter de fazer em quatro dias o que antes fazia em cinco. “Depois, com o andar do projeto, começaram a perceber que se estivessem mais focados no trabalho, se se organizassem melhor, não era tão complicado quanto parecia”, relatou. Isso significou “ter atenção aos períodos do cafézinho” e à duração das reuniões, que não deixaram de existir mas passaram a ser mais curtas.

Para se adaptarem, as empresas fizeram várias alterações à forma de trabalhar: 75% adotaram mudanças organizacionais, como a redução do número e duração de reuniões, a criação de blocos de trabalho, a adoção de novo software ou a redução das pausas. “Muitos dos problemas atuais das empresas estão relacionados com os múltiplos canais de comunicação: emails, reuniões, telefonemas, WhatsApp, ou softwares de gestão, que se sobrepõem criando fricções na transmissão de informação”, refere o relatório. Houve empresas que tiveram formação em gestão de tempo.

O relatório nada conclui sobre a produtividade das empresas (ficará para o relatório final), apenas que a definição de métricas de produtividade foi das maiores dificuldades sentidas já que não é linear a forma como é aferida. Outra dificuldade sentida foi a gestão da semana de quatro dias durante períodos de férias.

25% não conseguiram usufruir sempre do dia livre

Apesar das adaptações, para muitos nem sempre foi possível tirar o dia extra. Segundo o relatório, mais de metade dos trabalhadores conseguiu reduzir o tempo de trabalho imediatamente, mas ao fim de três meses, 25% não conseguiu usufruir do dia livre previsto, ou nem sempre o fez. “Em vários comentários, alguns trabalhadores confidenciam que acabam por terminar tarefas pendentes no dia livre. É frequente que nos primeiros meses exista alguma dificuldade no ajustamento e é natural que alguns hábitos demorem a alterar”, lê-se no relatório.

Duas empresas fizeram uma avaliação negativa da experiência. Uma está a reestruturar os processos e vai começar a estudar um novo formato; a outra, apesar da motivação dos trabalhadores em quererem apresentar propostas de melhorias e métricas de avaliação, “os gestores nunca permitiram a apresentação por parte dos colaboradores nem por parte dos responsáveis do projeto”.

Além do inquérito às empresas foi aplicado um questionário aos trabalhadores, mas aqui apenas aos das 21 empresas que efetivamente cumpriram os seis meses do projeto-piloto. São cerca de 200, um universo bem diferente dos 20 mil que chegaram a ser anunciados.

Os trabalhadores relatam efeitos a nível de saúde mental, como o índice de ansiedade a diminuir 21%, a fadiga em 23%, insónias ou problemas de sono em 19%, estados depressivos em 21%, tensão em 21% e solidão em 14%. Já os níveis de exaustão caíram 19%. Além disso, a percentagem de trabalhadores que sente ser difícil ou muito difícil a conciliação entre trabalho e família desceu de 46% para 8%. E 65% dos trabalhadores dizem ter passado mais tempo com a família e 45% mais tempo com amigos, “dedicando também mais tempo ao autocuidado e a hobbies e interesses”. Já 20% têm mais tempo para atividades culturais, como ir ao teatro, ao cinema, a concertos ou exposições.

“Estes valores sugerem que a implementação da redução horária tem tido sobretudo um impacto positivo ao nível das relações familiares e sociais, bem como ao tempo dedicado a atividades centradas no indivíduo, que seguramente estão associadas aos melhores indicadores de saúde mental e de conciliação trabalho-família”, lê-se no relatório agora divulgado. Segundo os coordenadores do projeto, o dia extra não era necessariamente passado com a família mas em atividades “de gestão do dia a dia”, como compras ou limpezas, pelo que os fins de semana ficam mais “livres” para a família e atividades de lazer.

Além disso, 14,5% dos trabalhadores passaram mais tempo em atividades de estudo académico ou em ações de formação, e 4% em voluntariado. E mais de 20% dizem dedicar mais tempo à prática de exercício físico.

Emails no dia de folga e imprevisibilidades

Os trabalhadores também relataram dificuldades na implementação. Houve quem apontasse a dificuldade em prever os dias em que folga; o facto de continuar a receber emails de clientes no dia livre, o que aumenta a ansiedade; imprevistos com clientes a que é preciso responder; ou uma sobrecarga na empresa com novos projetos. Há empresas que deixaram claro aos trabalhadores que se fosse necessário teriam de prescindir ocasionalmente do dia extra.

A fase de implementação do projeto-piloto da semana de quatro dias começou em junho e teve a duração de seis meses. Foi uma experiência voluntária e as empresas podiam desistir a meio se o entendessem (das que começaram em junho e julho nenhuma o fez. O Estado não deu contrapartidas financeiras, mas apoio técnico e administrativo, com a ajuda de uma organização que se dedica a ajudar empresas a adota o modelo. Ainda assim, uma verba de 350 mil euros foi destinada ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) a apoiar a implementação do programa.

A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, salientou que a semana de quatro dias é um “embrião extraordinário de como em conjunto conseguimos novas soluções” e defende que é um fator diferenciador das empresas. Mas salienta que as respostas têm de ser encontradas em “diálogo social”, com os trabalhadores, “em articulação permanente”. Os incentivos para essas soluções devem ser implementadas “em sede de negociação coletiva”.

Para o secretário de Estado do Trabalho, Miguel Fontes, a semana de quatro dia é uma resposta aos “anseios das novas gerações” e uma exigência de “maior conciliação entre vida profissional, pessoal e familiar”. O regime pode, também, ser um fator de competitividade e atração das empresas. “Aqueles que não perceberem isso vão seguramente perder competitividade, porque tem a ver com capacidade de atrair e valorizarem esse talento”, afirmou.