Todos os anos discute-se muito o orçamento do ano seguinte mas perde-se pouco tempo a discutir o essencial.

O orçamento para 2015 apresentado por este governo é um orçamento neutro, de continuação, que não faz muitas ondas, seja pelo menor ânimo que a actual coligação tem recentemente demonstrado, seja porque esta não pretende correr quaisquer riscos pré-eleitorais.

O orçamento de 2015 acrescenta pouco em termos de consolidação orçamental. Existindo uma redução do deficit global face ao ano anterior, de 4,8% para 2,7%, de facto o deficit estrutural – aquele que é ajustado pelo ciclo económico e sem medidas pontuais – mantém-se (apenas se reduz de 1,3% para 1,2%).

A despesa total do Estado pouco se reduz (de 86,4 mil milhões de euros para 85,4 mil milhões de euros) representando ainda um valor muito elevado, de 47,3% do PIB. A despesa corrente primária (despesa total sem despesa de capital nem juros) chega mesmo a subir ligeiramente face a 2014, de 71,3 mil milhões de euros para 71,7 mil milhões de euros.

E apesar de se acenar com reduções de algumas taxas de imposto, de facto a carga fiscal (total dos impostos e contribuições para a segurança social) sobe de 64 mil milhões para 66,8 mil milhões de euros, alcançando um valor record face ao PIB de cerca de 37%.

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Este orçamento de 2015 não sendo assim da consolidação orçamental, ou seja, da redução estrutural da despesa, ainda assim apresenta alguns riscos. O crescimento previsto para o PIB, de 1,5%, será mais optimista do que pessimista, pois a crise interna no sistema bancário, o ainda elevado endividamento das famílias e das empresas, com dificuldade de recorrerem ao crédito, e a tendência de um arrefecimento da economia global, poderão colocar em causa este já de si limitado crescimento económico.

Acresce que, para se alcançar o valor de 1,5% de crescimento do PIB, está a contar-se com um crescimento das exportações superior ao das importações (em 2014 verificou-se o contrário), ao mesmo tempo que se antecipa um aumento relativamente a 2014 do consumo privado (de 2% face a 1,8% em 2014) e do investimento (2,0% face a 1,5% em 2014).

Mas mais do que discutir um orçamento para um determinado ano, o mais importante é verificar qual a tendência passada e futura, e se estas nos levam a caminhar no sentido de uma verdadeira consolidação orçamental, que nos permita aspirar a vir a ter, de uma forma estrutural e sustentada, contas públicas equilibradas.

E aí, é frustrante verificarmos que a situação pouco se alterou. Aliás, em termos absolutos, estaremos em 2015 com uma despesa total ainda bastante superior ao que tínhamos antes da crise, em 2008 (81,1 mil milhões, correspondente a 45,3% do PIB). A despesa corrente primária também subirá face a 2008 de 68,7 mil milhões para 71,7 mil milhões em 2015. E continuamos a apresentar um défice ainda significativo das nossas contas públicas (2,7% do PIB em 2015, 3,8% do PIB em 2008).

Ou seja, apesar de tudo, de todas as medidas e tentativas de ajustamento, temos uma despesa pública em percentagem do PIB ainda superior à de 2008. E tendo-se verificado uma pequena redução do défice, esta só foi conseguida através de um grande aumento da carga fiscal.

De facto, a tendência das rubricas orçamentais parcelares nos últimos anos tem sido a da redução das despesas de pessoal e de capital e a do aumento dos juros e, em particular, das prestações sociais. O aumento destas duas últimas rubricas foi superior às reduções referidas e isso teve que ser compensado com o aumento da carga fiscal de forma a se alcançar uma redução do défice.

De notar que, mesmo no período previsto de governação desta coligação, entre 2011 e 2015, a redução do défice orçamental de 12,9 mil milhões para 4,9 mil milhões – portanto de cerca de 8 mil milhões de euros –, será de facto conseguido pela redução das despesas de capital (investimento público) em cerca de 3 mil milhões (de 7,6 mil milhões para 4,8 mil milhões) e de um brutal aumento de impostos e contribuições em cerca de 4,5 mil milhões de euros (de 62,3 mil milhões para 66,8).

Repare-se ainda que o governo, entre 2011 e 2015, não conseguirá reduzir significativamente a despesa corrente primária, pois esta diminuirá apenas de 72,7 mil milhões de euros para 71,7.

Existem algumas atenuantes para este aparentemente menos bom resultado do governo, que apesar de tudo procurou tomar algumas medidas de contenção, desde as condicionantes criadas pelo Tribunal Constitucional até à pressão endógena do crescimento de algumas despesas, como das prestações sociais que têm sempre vindo a subir e que alcançarão em 2015 um valor record de 34,7 mil milhões de euros (cerca de 20% do PIB). Este record é, aliás, elucidativo da falta de razoabilidade quando alguns afirmam que se está a “desinvestir fortemente do Estado social”.

Mas vamos ao que interessa. O que se passa com este orçamento, bem como com todos os anteriores, é que lhe falta uma estratégia subjacente, objectivos concretos de desempenho e explicitação dos responsáveis.

Um orçamento anual não é nada mais de que uma tradução financeira de um plano anual. Este deve estar integrado em plano plurianual que deverá ter por detrás uma estratégia. Estratégia neste caso quer dizer uma identificação de qual o papel que se pretende que o Estado tenha, de quais são os seus principais atributos e de quais funções em que se aposta, qual o espaço que o Estado deixa para a iniciativa privada, qual o modelo social, o que o Estado garante e presta e o que o Estado garante mas deixa para prestação de terceiros. Estratégia é também definir a organização do Estado, e a sua política de recursos humanos, explicitando-se como é que o Estado vai atrair e reter as pessoas mais competentes na sociedade, para que trabalhem no seu seio.

Os orçamentos em Portugal também apresentam tradicionalmente poucos objectivos, para além dos financeiros. Em termos globais e para cada área principal do Estado deveriam existir objectivos concretos de eficiência, e também de qualidade, dos serviços que o Estado se propõe prestar.

Finalmente, no Orçamento do Estado deviam ser explicitados quem são os responsáveis pelo alcançar dos objectivos financeiros e de desempenho, com os seus nomes, funções e responsabilidades concretas (não ficando mal uma fotografia, para melhor reconhecermos quem nos administra). Se é certo que o Governo e o PM são os responsáveis últimos pela execução do orçamento e o alcançar dos respectivos objectivos, os mais altos responsáveis da Administração Pública, que lideram as áreas mais relevantes, também deveriam, naturalmente, assumir as suas responsabilidades.

De tudo isto destaco alguns números a reter e faço um desafio público, se me permitem, em nome dos portugueses.

Os números a reter do orçamento de 2015, os que deviam ser conhecidos por todos, são o da despesa pública total – 85 mil milhões de euros –, o das receitas públicas totais – 80 mil milhões – e, como resultado, o do défice orçamental – 5 mil milhões. Acresce o montante da carga fiscal (impostos mais contribuições) ­– 67 mil milhões de euros, e o das prestações sociais -34,7 mil milhões de euros (com pressão para continuar a subir dada a nossa demografia).

Julgo estarmos todos conscientes, até pelo elevado peso de dívida pública (será de 124% do PIB em 2015), que não podemos ter mais défices orçamentais e, portanto, que teremos, grosso modo, que igualar as receitas às despesas. Ora como as receitas pouco podem agora subir, até porque a elevada carga fiscal terá que ser reduzida para não desincentivar o investimento e a iniciativa das pessoas e das empresas, a despesa tem, no curto prazo, que descer (podendo mais tarde crescer em termos absolutos, mas não relativos, se o crescimento económico realmente acontecer).

Deixo assim um desafio público aos líderes partidários e aos respectivos partidos, concorrentes às próximas eleições.

Nós, cidadãos, já não vamos mais em conversas.

Nós, cidadãos, “exigimos” que apresentem no vosso programa eleitoral de governo um detalhado documento de estratégia orçamental (DEO) cobrindo o período da próxima legislatura.

Neste DEO deve estar explicita a vossa previsão, com base nos pressupostos que entendam assumir, de qual vai ser o crescimento económico e do emprego e como vão criar as condições para que tal aconteça. Também devem estar presentes as receitas que, com o vosso governo, o Estado vai obter (explicitando qual a carga fiscal que irão impor aos portugueses), bem como a evolução das várias rubricas de despesas que resultarão das vossas políticas (incluindo custos de pessoal, prestações sociais, custos departamentais, etc.).

Ou seja, deixem-se de jogos florais!

E não venham com desculpas que não têm acesso a toda a informação necessária para fazer um DEO. Nunca como agora existiram tantos estudos das mais diversas autoridades nacionais e internacionais descascando as contas públicas, respectivas metodologias e buracos e alçapões que elas encerram.

Expliquem mas é, no concreto, como vão fazer crescer a economia, sem dúvida a principal solução a médio prazo, e qual o vosso compromisso para cada ano de legislatura quanto às contas do Estado, incluindo o respectivo financiamento.

Não nos enganem ou iludam!

Assumam explicitamente, se for o caso, que as vossas políticas implicam, por exemplo, cortes e racionalização nas despesas sociais, redução dos funcionários públicos, maior flexibilidade laboral, e/ou então uma maior carga fiscal, e como esta será distribuída.

Assim os portugueses terão mais um elemento fundamental para tomarem a sua decisão de qual o candidato a primeiro-ministro em que irão votar e mais condições para o responsabilizar durante a governação.

Assim a nossa democracia ficará mais adulta e fortalecida.

Nota: Texto actualizado a 20 de Outubro de 2014 para introduzir pequenas correções, sem influência nas conclusões, aos valores da despesa corrente primária (2008 e 2011) e da carga fiscal (2011).