Nova sessão pública na Assembleia Municipal de Lisboa sobre a Avenida Almirante Reis. No fim falaram os partidos e percebeu-se que a esquerda em peso, incluindo Iniciativa Liberal, reclamava “estudos”. Balançando entre o prejuízo e a inutilidade, a esquerda não falha. Para que precisam aquelas almas de mais estudos? Suspeitam de alguma informação relevante que não saibamos já? Que verdade espantosa sobre a Almirante Reis esperam eles ver revelada num estudo? Não se percebe. Excepto se este esmerado interesse científico for afinal a maneira de impedir a mudança e atrasar as obras. Caso contrário, não, não precisamos de mais estudos; precisamos é de tomar decisões políticas.

O problema da Avenida Almirante Reis é fácil de explicar. Desde logo, trata-se da maior avenida de Lisboa. “Avenida” no verdadeiro sentido da palavra, com comércio e portas de prédios de habitação, e passeios agitados, paragens de transportes, pessoas a passar a pé, tudo o que caracteriza uma avenida. Não basta ter “avenida” no nome; a Infante Dom Henrique é muito mais comprida, e a Marginal também, mas não são “avenidas”, são estradas. Só que as avenidas propriamente ditas com as quais a Almirante Reis costuma ser comparada têm outra proporção: a Avenida da Liberdade tem 90 metros de largura, a Fontes Pereira de Melo tem 30, e a Avenida da República anda pelos 60. Com perto de 3 quilómetros em linha recta e 24 metros entre fachadas, a Almirante Reis tem desenho, comprimento, topografia, e localização geográfica de artéria estruturante; e largura de artéria de bairro.

Há décadas que este problema é conhecido e há décadas que os poderes públicos tentam suavizar os transtornos deste erro de raiz. Sabendo-se, à partida, que não é possível lá ter tudo. Em 24 metros não cabem duas vias de trânsito para cada lado, mais um separador central com cerca de 200 árvores, mais árvores de alinhamento e respectivas caldeiras, mais estacionamento paralelo – absolutamente indispensável àquela população, seja de moradores, trabalhadores, comerciantes, ou visitantes de equipamentos públicos, como o Banco de Portugal –, mais paragens de autocarro e bocas de Metro, mais uma ciclovia dupla ou duas ciclovias de sentido único; e ainda sobrar espaço de passeio com a largura necessária para as pessoas andarem confortavelmente. Lisboa tem uma densidade de construção excessiva para o sistema viário estrutural. Ou seja, as principais artérias que deviam definir e distribuir os percursos não têm largura suficiente para assegurar o caudal. A Avenida Almirante Reis é talvez o caso em que esta insuficiência se mostra mais extremada. É preciso fazer escolhas.

Hierarquizando os obstáculos, e pelas características específicas daquela avenida, a Almirante Reis deve ser aberta aos transportes públicos e carros particulares. É melhor do que andarem a serpentear pela cidade. Uma solução é essa: duas faixas de trânsito para cada lado, como Carlos Moedas já disse que queria ter – antes das eleições, e também já mais recentemente. Talvez uma dessas faixas possa ser reservada a “bus”; uma das grandes prejudicadas pela instalação selvagem daquela ciclovia foi, precisamente, a rede lisboeta de transportes públicos. Depois disto, era importante melhorar as condições pedonais. Para isso deviam ser refeitos os pisos dos passeios, e alargados sempre que o espaço necessário estivesse disponível; e devia também ser reforçado o cordão verde, com sombra e alguma complexidade – não serve aquela frente de tílias, pobres coitadas, praticamente do mesmo tamanho desde o dia em que lá foram postas.

E definir duas ciclovias nas artérias paralelas. Por exemplo, no sentido descendente, seguiria a Rua de Arroios e a Rua dos Anjos; e, em sentido ascendente, podia subir pelo Regueirão dos Anjos e pela Rua António Pedro. O encontro com a Quirino da Fonseca teria de ser estudado, mas não mostra dificuldades extraordinárias. A rua, actualmente com trânsito descendente, podia ser limitada a 30 km/h (como aconteceu noutras ruas do bairro); e parece ter largura para acomodar uma ciclovia em sentido contrário.

Não tem de ser exactamente assim, mas é uma solução viável. Tem a vantagem de se aproximar da vontade expressa pelo eng. Carlos Moedas, antes e depois das eleições; e tem sobretudo a vantagem de ir ao encontro da vontade dos eleitores, que, ao votar em Carlos Moedas, votaram avisada e conscientemente pela remoção da ciclovia na Avenida Almirante Reis. Giulio Andreotti dizia que a política é a arte de distribuir com equanimidade o descontentamento. Com esta coragem pessimista, foi primeiro-ministro de Itália quase uma dúzia de vezes. O poder mantém-se mais com sabedoria do que com lisonja. No longo capítulo da Almirante Reis, é tempo de tomar decisões políticas.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR