Alguma da juventude da Igreja que pastoreio na Lapa vai votar pela primeira vez na vida nas próximas eleições. Foi-me pedido, por isso, que houvesse um encontro para receberem alguns conselhos acerca do assunto. Ninguém espera que seja o Pastor a dizer onde colocar o X mas concordei que sim, que há princípios a lembrar na hora de escolher um candidato político. Agendámos por isso um jantar em nossa casa para conversar acerca do assunto.

Ao contrário do que tantas vezes é lido na imprensa mais incompetente, os Baptistas são bastante ciosos da separação entre Igreja e Estado. Vêm de uma tradição com séculos entre os evangélicos em que a política é inevitavelmente olhada com desconfiança e prudência. No caso da minha denominação Baptista, acumulamos mais de 400 anos de experiência em saber que uma coisa é o governo, outra é a congregação. Sofremos por isso.

Quando a Reforma Protestante chegou no Século XVI a Inglaterra tornou-se uma Reforma naturalmente inglesa. Nenhum dos movimentos reformadores foi igual no mesmo lugar. No caso britânico, deu origem à Igreja Anglicana, instituição nacional. Tempos depois surgiriam Acts of Uniformity que estabeleciam basicamente que a religião do Rei deveria ser a religião dos súbditos. Uma coisa destas sempre deu raia entre aqueles que, aderindo a formas de Protestantismo, rejeitaram a ideia logo enquanto princípio.

Alguns destes não-conformistas foram os Baptistas. Para protegerem o seu direito de consciência refugiaram-se na Holanda, mais liberal em assuntos religiosos. Aliás, seria apenas em Amesterdão que usariam pela primeira vez essa designação de “Baptista” em 1609. Ao regressarem a Inglaterra o movimento cresceria, ainda que constantemente ilegalizado por mais Acts of Uniformity. Isto significa que está na massa do sangue dos Baptistas ficarem à margem da lei precisamente por defenderem que uma coisa é o Estado, outra a Igreja. Sempre que o governo se arma em santo, um Baptista diz não.

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Seria preciso um fenómeno como a Revolução Americana para oferecer uma terra realmente propícia aos princípios Baptistas. Aí sim, o movimento abre asas sobretudo naquele imenso país que crescia para Oeste e assim dava casa aos movimentos religiosos mais livres de cleros e marcas de unicidade institucional. Os Baptistas, permanentemente radicais na sua defesa da autonomia de cada Igreja local e no seu entusiasmo evangelístico, cresceram como cresceu a América (os Metodistas tiveram a mesma experiência).

Hoje qualquer tradição cristã tem de afirmar o que os Baptistas afirmaram com o seu sofrimento há 400 anos: que a Igreja deve estar separada do Estado. Até Igrejas nacionais Protestantes tiveram de readequar as suas perspectivas sobre o tema. Por todas estas razões, reconheço que nós Baptistas somos manientos nestas matérias. Isso não significa que não seremos tentados por aquilo que também tenta os outros. Em toda a História haverá Baptistas a quererem esquecer este princípio quando o poder político os seduz. Não somos melhores do que os outros, reconheçamos. Mas se existir rigor, um Baptista terá de admitir que não nasceu para se dar bem com César—somos mais marcados pelo mal que ele nos fez do que pelo bem que ele nos fará.

Ironicamente, foi também este escrúpulo Baptista e de outros protestantes de tradição não-conformista que contribuiu para as nossas democracias modernas. Logo, um Baptista não é apolítico; pelo contrário, defende um sistema democrático que ele próprio já experimenta dentro da sua própria congregação. As assembleias em que os membros da Igreja votam são lugares comuns nas Igrejas Evangélicas muito antes de, por exemplo, a democracia se ter tornado comum em Portugal. Não foi Abril que ensinou os Baptistas e outros evangélicos portugueses a votar.

Muito do que terei a dizer à juventude da Igreja da Lapa virá deste passado. O que no futuro votarão será fruto da consciência de cada um. Isto não quer dizer que enquanto Baptista acredito que qualquer voto é compatível com a fé que temos. Mas enquanto lembrarmos que a nossa esperança está em Cristo e não em César, menos nos sentiremos salvos por partidos, venham eles armados de virtudes pelo lado esquerdo ou pelo lado direito.