É inquestionável a importância da agricultura. Assim como é inquestionável a necessidade de apoiar a sua rentabilidade. Conscientes desta necessidade, há 62 anos, os Países membros fundadores da antiga Comunidade Económica Europeia decidiram criar uma parceria entre a sociedade e o sector agrícola, entre os agricultores e a Europa. Numa altura em que era clara a necessidade de garantir um abastecimento estável de alimentos a preços acessíveis, a União Europeia de então decidiu, e bem, apoiar os agricultores e melhorar a produtividade do setor agrícola. Nasce aquela que é a política mais antiga da UE ainda em vigor – a Política Agrícola Comum (PAC) –, um marco fundamental na soberania alimentar dos Estados Membros, uma garantia da sobrevivência e resiliência da agricultura comunitária.
Sem vos maçar com detalhes técnicos ou com valores orçamentados, a PAC está dividida em dois Pilares: apoio direto à produção e medidas de mercado (1.º Pilar), e apoio ao desenvolvimento rural (2.º Pilar).
O apoio direto à produção consiste em pagamentos concedidos diretamente aos agricultores para lhes dar garantia de rendimento, ou seja, fundos para exercerem a sua atividade.
O apoio ao desenvolvimento rural consiste no cofinanciamento para auxílio à modernização das explorações agrícolas, ao aumento da competitividade do setor, à revitalização das comunidades rurais e à renovação geracional na agricultura.
Se a importância do 1.º Pilar é inegável, pois permite a produção de alimentos de qualidade sem que o custo real de os produzir seja repercutido no preço a cobrar aos consumidores, o 2.º Pilar goza de idêntica relevância, pois só aumentando a capacidade produtiva e eficiência das explorações agrícolas, dotando-as de mais e melhores ferramentas, atraindo jovens e fomentando o emprego, é que se consegue aumentar a competitividade do sector.
Não discordo que se deva garantir o rendimento dos agricultores, muito pelo contrário. Mas dizer que esse rendimento só pode ser maior por aumento do apoio direto, é uma falácia.
É intenção do atual Governo aumentar o rendimento dos agricultores em 50%, alegando necessidade de maiores “previsibilidade e estabilidade”. Mas essa intenção não passa por aumentar a dotação orçamental do 1.º Pilar da PAC. Até porque não o pode fazer (não de imediato) do ponto de vista regulamentar. A opção aparentemente adotada, passará por “transferir” duas medidas de apoio, nomeadamente as de apoio à Agricultura Biológica e Produção Integrada, sem que a verba dedicada as acompanhe, já que transferir orçamento entre Pilares não é, para já, uma possibilidade. É verdade que irá aumentar o rendimento dos beneficiários das ajudas, já que o montante vago pode ser distribuído por outras intervenções, aumentando o seu valor de apoio unitário. Não é aqui que o problema reside… O problema está em o atual Executivo querer, perdoem-me a expressão, “meter o Rossio na Betesga”. Ao querer incluir duas medidas orçamentalmente expressivas num “pacote” de dotação financeira fechada, não terá impacto nos compromissos já concretizados?
Por força da simplificação, peço que me permitam reduzir o raciocínio ao básico: se eu tiver 100 € para comprar um conjunto de bens de uma lista, e, sem reforçar esse montante, tiver que comprar 2 bens que não estavam na lista inicial só tenho duas hipóteses: ou compro menos de cada bem, ou deixo de comprar totalmente algum dos bens.
Por analogia, e partindo do pressuposto que não será aumentada a comparticipação pública nacional, é isto que o Governo pretende: garantir disponibilidade financeira num pacote orçamental, porventura já limitado, para duas “novas” medidas que não estão cabimentadas. Ao querer financiar estes apoios com montantes alocados as outras medidas, maioritariamente de investimento, ocorrerá na redução significativa da capacidade de dar cumprimento aos objetivos e compromissos do 2.º Pilar.
Como referi acima, o desenvolvimento rural só se concretiza mediante investimento. Investimento em melhores e mais infraestruturas, máquinas, tecnologia, conhecimento, gestão do risco, rejuvenescimento… Tendo uma determinada exploração maior capacidade de produzir mais alimentos com a mesma quantidade de fatores de produção, ou, no limite, a mesma quantidade de produção com menos fatores, não conseguirá ver aumentado o seu rendimento, tendo maior rácio benefício/custo? Claro que sim! O investimento garante previsibilidade e estabilidade a prazo. Garante resiliência e sustentabilidade. São estes fatores que prendem as “gentes” ao território, que apelam ao retorno da população ao mundo rural, que tornam o sector aliciante para os mais jovens.
O empobrecimento do sector não pode ser só medido pela (suposta) redução de apoios… mede-se também pela sua incapacidade de aumentar a sua competitividade. E este paradigma só se altera com mais e melhor investimento.
Mais uma vez, sou favorável ao aumento o rendimento dos agricultores, por força do apoio das medidas e políticas públicas. Mas tenho reservas sobre se a melhor solução será o sacrificar do investimento.