O mundo vive de frases feitas. Dizer que “quem anda à chuva molha-se” é, na falta de outra expressão, óbvio. Ninguém tenta contrariar tal facto. Contudo, dizer que “temos que passar a ser mais eficientes”, “a agricultura consome muita água por isso temos que poupar” ou “não vamos ter água no futuro” são afirmações que facilmente podem ser contrapostas.

No passado dia 7 de dezembro realizou-se uma sessão intitulada Disponibilidade de Água e Alterações Climáticas, organizada pela Agência Portuguesa do Ambiente, onde, de uma forma geral, se refletiu sobre o impacto de um clima em mudança sobre a disponibilidade de um recurso fundamental e escasso. Não me parece que alguém ainda questione a urgência de rever os planos de gestão por forma a garantir o abastecimento dos mais diversos sectores cuja subsistência depende da água. Ou que o aumento da temperatura e a alteração no padrão da precipitação não tenham impacto (desde que não se promovam medidas de adaptação e mitigação) nas diversas atividades desenvolvidas no território, sendo as regiões do Alentejo e Algarve as mais impactadas. Porém, não posso deixar de contrariar declarações idênticas às que em cima referi, proferidas pelos Sr. Ministro do Ambiente e da Ação Climática, Dr. João Pedro Matos Fernandes, e Sr. Vice-presidente da APA, Dr. José Pimenta Machado, sem que fossem abordados alguns dos aspetos que interessa ter em conta para melhor entender o comportamento dos atores que fazem parte do regadio em Portugal.

Será que “temos que passar a ser mais eficientes”?

Parece-me ser útil revisitar o conceito de eficiência, que, de forma simples, pode ser definida como a razão entre a saída de produto (output) pela entrada de fator ou fatores de produção (inputs). Mais produção por unidade de entrada de fator(es) reflete uma eficiência relativamente maior. Por outras palavras, não preciso poupar para ser mais eficiente.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Uma forma de otimizar esta eficiência do uso da água é – porventura a mais expedita – a de adotar sistemas de rega mais eficientes. Nas últimas duas décadas, de acordo com um relatório produzido pela FENAREG (2019), este caminho tem sido percorrido pelo setor. No fim do século passado a área regada era maioritariamente ocupada por sistemas de rega por gravidade; 20 anos passados e encontramos mais de metade da área a ser regada por sistemas de rega localizada e menos de 20% por sistemas gravíticos. Mas de nada serve termos sistemas à partida mais eficientes se na realidade não o forem. Dados recolhidos pelo COTR – Centro de Competências para o Regadio Nacional (comunicação pessoal) apontam para um esforço por parte dos agricultores regantes da região do Alentejo em aumentar a sua eficiência, minimizando as perdas de água. Resultados demonstram que os sistemas de rega localizada, e parte dos de aspersão, apresentam uma uniformidade de aplicação superior a 85 %. Não estamos mal.

A esta medida junta-se ainda todo um esforço para que a inovação da gestão da rega seja base da atividade agrícola. Qual o objetivo? Aplicar a água no momento certo, na quantidade certa, da maneira mais eficiente e uniforme possível. O agricultor visa a realização de toda e qualquer tarefa de uma forma otimizada, observando e registando os dados agronómicos, climáticos e pedológicos da exploração, recorrendo a ferramentas de apoio à decisão e a metodologias capazes de realizar as operações de forma adaptada à variabilidade da parcela. Tudo isto permite ao agricultor regante aplicar a água estritamente indispensável, no local certo e no momento oportuno, tornando-se cada vez mais eficiente. Estamos a chegar lá.

Será que “a agricultura consome muita água por isso temos que poupar”?

Antes de mais, importa refletir sobre a realidade nacional. É verdade que a agricultura usa mais de 70% da água disponível; este número contrasta com os da Alemanha onde apenas 2% da água é utilizada pela agricultura. Mas há uma razão. Dadas as nossas condições edafo-climáticas, sem água (e sem regadio) é impossível garantir à agricultura nacional resultados economicamente viáveis que garantam a sustentabilidade económico-financeira do empresário agrícola. Sem essa sustentabilidade, será incontornável o impacto negativo sobre as populações e sobre o território. A influência do nosso clima mediterrânico é particularmente impactante sobre a agricultura. Se tomarmos como exemplo a região de Beja, vulgarmente tida como referência para a região Alentejana, é notório o défice de água nos meses de maio a setembro, sendo a evapotranspiração (cerca de 1200 mm) largamente superior à precipitação (aproximadamente 500 mm).

Tendo que conviver com um clima em mudança, o setor agrícola nacional tem tentado ser menos “consumidor”. Dados apurados pela FENAREG – Federação Nacional de Regantes de Portugal (2019) apontam para uma redução significativa nos últimos 50 anos: em 1960 o consumo de água por hectare era de cerca de 15 000 m3; já em 2014 era de 6600 m3. Faltam apurar dados mais recentes, mas se olharmos para o regadio de Alqueva, em pleno Alentejo, onde são produzidas culturas como o olival, amendoal, vinha e milho, em 2020 o consumo médio era de “apenas” 2700 m3/ha – muito longe do que encontrávamos 5 décadas antes.

Consumimos muita água? Não me parece. Muito pelo contrário. Consumimos apenas aquela que é estritamente necessária para alcançar as produtividades que garantam a continuidade da atividade agrícola. Haverá, não digo que não, forma de ainda sermos mais conservadores, mas teremos que garantir que mantemos a rentabilidade das explorações.

Será que “não vamos ter água no futuro”?

O resultado principal do estudo apresentado na sessão de dia 7 aponta para uma redução das disponibilidades em 20% nos últimos 20 anos. E o futuro não será abonatório; no melhor dos cenários, segundo o referido estudo, a precipitação vai reduzir entre 3 e os 12% até 2100 em diferentes regiões hidrográficas, podendo, num cenário mais pessimista, chegar aos 29% na região do Algarve. Já no Plano Nacional da Água (PNA, 2016) haviam sido identificadas evidências de escassez do recurso água. No documento conclui-se que, de um modo geral, o balanço não evidencia situações de défice hídrico dignas de nota, embora apresente algumas situações que devem merecer atenção. Efetivamente, as Bacias Hidrográficas a Sul do Tejo apresentam, na sua maioria, uma escassez de água moderada. Ora estas regiões são responsáveis por 41% da produção das principais culturas produzidas no continente. Sobrepondo estes dados, podemos assumir que o risco de seca/escassez coloca em risco grande parte da produção nacional caso os eventos extremos, como as secas recorrentes, insistam em persistir. Tornando-se assim, não só um problema, como uma realidade com a qual temos e teremos de viver.

Na ausência de um futuro ridente no que toca ao abastecimento de água às culturas pelos regimes de precipitação, por um lado, e uma redução significativa dos volumes acumulados, por outro, resta-nos apenas como solução a procura de fontes de abastecimento (e.g. barragens). Segundo o PNA a capacidade infraestruturada é capaz de armazenar apenas 20% das afluências anuais. Será que não podemos aproveitar os restantes 80%? Será que o problema maior não será a (in)capacidade de armazenar água para quando e onde fizer falta?

Tentemos então dar reposta à questão. Para tal, peguemos no exemplo de Alqueva. Se voltarmos ao passado eram inúmeras as vozes que diziam que Alqueva não seria uma realidade, ou que nunca encheria, ou até que seria impossível gerir tamanha obra. A história provou o contrário. Desde o fecho das comportas em 2002 que o panorama da agricultura alentejana mudou. Em oito anos (sensivelmente a duração de um ciclo de seca e contra-seca), ao contrário do que muitos pensavam, a albufeira de Alqueva atingiu o seu pleno armazenamento, garantindo provisão para mais de duas campanhas consecutivas sem reabastecimento. Desde daí, o dinamismo do setor permitiu tirar partido daquele que é o maior lago artificial da Europa, criando negócio, aumentando produções, fixando populações, combatendo a desertificação. Essa capacidade de armazenamento, que agora permite regar 120 000 ha diretos e reforçar a capacidade de armazenamento de perímetros de rega pré-existentes vizinhos, verá a sua área de influência crescer em mais 50 000 ha num futuro próximo. Não fosse a existência duma infraestrutura desta dimensão, não haveria forma de conviver com o regime de escassez regional nem como potenciar a agricultura como temos visto nos últimos anos.

Parece-me óbvio que se tentarmos replicar de alguma forma este exemplo de sucesso, o impacto dessa menor disponibilidade prevista será com certeza menor do que o expectável se nada fizermos.

Considerações finais

A realidade do nosso território mostra que o regadio desempenha um papel fundamental na atividade agrícola nacional, potenciando o desenvolvimento socioeconómico das regiões. A seca não é um problema temporário… as alterações climáticas também não serão. Para conviver com a realidade edafo-climática nacional torna-se necessário apostar na agricultura, criando condições para aumentar as produtividades e, para tal, é preciso água. Há que geri-la da forma mais eficiente possível (e aqui se demonstrou que estamos no bom caminho) mas, antes, há que a armazenar e disponibilizar ao sector. Sem procurar forma de criar novas infraestruturas, sejam elas grandes ou pequenas, públicas ou privadas, ou ampliar as já existentes, é inevitável que a quebra na disponibilidade tenda a aumentar. No meu ponto de vista, o que é mesmo prioritário e absolutamente indispensável é criar uma visão global da gestão da água em Portugal, e dar-lhe corpo sob a forma de um grande sistema hidráulico, baseado numa gestão integrada de todas as infraestruturas de retenção e armazenamento, captação, distribuição e uso da água. Quer isto dizer que não devemos fazer a nossa parte? Nem pensar… mas devemos demonstrar que o sector não é alheio à realidade.