1º dia

Em Coimbra, um par de homossexuais foi espancado por um grupo aos gritos de “paneleiros” e “pedófilos”. Quando meio mundo se preparava para execrar o crime de ódio, escrever panfletos inflamados, organizar vigílias e exigir adendas à lei, descobriu-se nas entrelinhas da notícia que os agressores eram uma família de ciganos. O assunto, pelo menos na perspectiva inicial, morreu ali. E, com o cheiro a travões ainda no ar, as boas consciências transferiram a indignação face à homofobia para a indignação face ao racismo. De repente, o problema deixou de ser os dois infelizes agredidos e tornou-se o destaque, naturalmente desajustado, que os “media” deram à “etnia” dos agressores. Sou testemunha: em mais do que um jornal, a palavra “cigano” irrompia, abusiva e zombeteira, nos fundilhos do texto, prova cabal de que o incidente apenas serviu de pretexto à calúnia de uma “comunidade” a que tanto devemos. Não é mau jornalismo, é péssimo. Claro que a identificação só se justificava se se conhecesse, na longa, nobre e progressista tradição cigana, algum vestígio de intolerância para com os gays ou, já agora, qualquer forma de vida “alternativa”. Evidentemente, não é o caso. Com a eventual excepção dos militantes do Hamas, não existe cultura tão permissiva à liberdade sexual. O povo roma (assim é que é), modelo de abertura, não discrimina nada nem ninguém. Então porque é que a tal família bateu nos tais rapazes? Porque os ciganos batem democrática e impunemente em toda a gente, ora essa.

2º dia

O ministro da Defesa afirmou não saber que parte do material roubado em Tancos ainda não foi recuperado. Revelada em todos os momentos do processo, a coerência do homem impressiona. Começou por não saber a dimensão do roubo, prosseguiu a não saber se existira roubo e agora não sabe se o produto do roubo apareceu ou não. De caminho, é provável que também não saiba o que é Tancos, a função que ele próprio desempenha no governo e o nome de baptismo. O facto de o dr. Azeredo regressar a casa todos os dias sem se perder é, no mínimo, um milagre.

3º dia

A presidente do Infarmed garantiu que a “deslocalização” (sic) da instituição é uma ameaça à saúde pública em Portugal e no mundo. Talvez haja aqui exagero, mas no que toca à saúde mental na cidade do Porto os riscos são óbvios.

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4º dia

Rebentou um pequeno escândalo porque “Os Maias” deixaram de ser leitura obrigatória no liceu. Meia dúzia de pontos. Primeiro, parece que a obra é facultativa desde 2002, prova de que a indignação, embora implacável, foi decidida com vagar. Segundo, é absurdo interromper a atenção das crianças em volta das novas tecnologias (publicar fotos no Instagram e assim) para maçá-las com formas de comunicação anacrónicas. Terceiro, ao que se vê por aí, a antiga obrigatoriedade de Eça não convenceu várias gerações de portugueses a escrever bom português, ou sequer a escrever português de todo. Quarto, se a criança for normalzinha, a conotação de um livro com a escola é suficiente para dedicar-lhe o tipo de afeição que se dedica à sarna, pelo que o currículo oficial deveria limitar-se a produtos oficiais, género Mia Couto e os novíssimos romancistas caseiros. Quinto, “Os Maias” são demasiado explícitos na chacota do pardieiro em que vivemos, o que naturalmente aborrece os donos do pardieiro e os leva a preferir autores “humanistas” como Manuel Alegre, as senhoras da colecção “Uma Aventura” e aquele mãe com minúscula. Sexto, a demonstração de que o liberalismo nacional vai longe está no facto de mesmo os liberais acharem que compete ao Estado escolher as leituras, os interesses e provavelmente os sapatos dos filhos. Sétimo, os indignados que vão chatear o Camões, fingindo que o lêem.

5º dia

Se descontar o assassínio de inocentes, as simpatias estalinistas, os surtos de anti-semitismo e a facilidade com que caipiras o elevaram a santo, consigo simpatizar com Nelson Mandela. A verdade é que, no poder, podia ter aberto a temporada de vingança e decretado o puro genocídio. Não só não o fez como, salvo percalços, ajudou a manter a harmonia possível em condições impossíveis. Dito isto, não percebo a que título se enxovalha a memória do homem através de um festival comemorativo dos 100 anos do seu nascimento. A coisa, parcialmente paga pela autarquia com dinheiro subtraído ao contribuinte, decorre em Matosinhos, literalmente a dois passos de minha casa, e pretendia ser um evento musical. Por azar, apenas arranjaram o moço dos Aerosmith, o sr. Geldof (juro) e mais uns nomes que desconheço. Não preciso conhecer: aqui na sala soa tudo ao mesmo, uma vibração maligna que se propaga pelas paredes e termina nos meus tímpanos. Pelo meio, deixa-me os cães em alvoroço. O estranho é que, apesar de tamanho suplício, não fiquei a detestar Nelson Mandela. Pelo contrário, passei a compreendê-lo melhor, sobretudo a parte em justifica o terrorismo com as situações extremas, e desumanas, que o fomentam.

6º dia

Como dizia o Ricardo Araújo Pereira, meter-se na droga é de homem. Infelizmente, em Portugal nem isso. Um festival de variedades a realizar em Idanha-a-Nova vai beneficiar de um serviço de controlo dos estupefacientes que os choninhas tencionam consumir. O serviço, gratuito, estará a cargo do Estado e o festival diz-se “alternativo”. Alternativo a quê?

7º dia

Enquanto se descobria que os donativos às vítimas de Pedrógão Grande terminaram em casas de borlistas, o governo ofereceu à Suécia ajuda para combater os incêndios locais. Fez bem: no meio da tragédia, os suecos precisavam de um alívio cómico.