Em abril, aquando da apresentação do Programa do Governo, o primeiro-ministro António Costa disse que “o futuro não é liberal, o futuro é o Estado social”. Ao promover esta oposição, Costa sabe perfeitamente que está a insinuar algo que não corresponde à verdade. E fá-lo de forma consciente, pois sabe também que, num eleitorado envelhecido e avesso à incerteza, a sua falsa constatação é a velada ameaça eficaz para manter o medo que sustenta o status quo.
O Estado social europeu é fundamentalmente uma construção do pós-guerra. A sua existência, enquanto rede de segurança da comunidade não é posta em questão por nenhum partido europeu de dimensão significativa. Em Portugal nenhum partido, grande ou pequeno, o pretende abolir.
Assim sendo, porque é que eu penso que o estado social português sofre uma forte ameaça, provavelmente a maior, desde que começou a ser implementado no mandato de Marcello Caetano? Esta ameaça advém, quanto a mim, de dois fatores que o vão “apertando” como uma vigorosa tenaz. Por um lado, a questão demográfica, Portugal está a envelhecer a um ritmo assustador, um dos mais elevados do mundo. Por outro lado, o país tem tido, no último quarto de século, um dos crescimentos mais lentos no contexto europeu. Ou seja, uma população envelhecida necessita de mais recursos do Estado, mas uma economia empedernida, sem crescimento, é cada vez menos capaz de aportar esses recursos.
A solução da questão demográfica, resultante das profundas mudanças sociais das últimas décadas, não será fácil de obter. Excluindo um recurso massivo à imigração, a resolução desse problema será, inevitavelmente demorada, e com resultados diminutos no curto prazo. Desta forma, sendo difícil estancar o aumento de pedido de meios, e tendo uma economia simultaneamente incipiente, e com um esforço fiscal próximo do limite, portanto incapaz de os fornecer, a única variável da equação que poderemos tentar manipular é o crescimento económico com políticas liberais que a estimulem.
Se olharmos para o Índice de Liberdade Económica da Heritage Foundation, verificamos que os países com maior liberdade económica, são aqueles com uma economia mais pujante e com um Estado social mais robusto. É neste grupo que se enquadram os países escandinavos, a Irlanda, a Nova Zelândia, os países Baixos e a Suíça.
Ou seja, ao contrário daquilo que insinua o PS, o perigo para o Estado social em Portugal, não advém de razões de filosofia política, na qual, no que respeita a esta questão, há na Europa um relativo consenso. A única questão que na Europa divide a abordagem ao Estado social é se os prestadores devem ser fundamentalmente públicos, como em Inglaterra, ou privados, como na Alemanha. A existência de uma rede de proteção social é, ao contrário do que insinua o PS, algo relativamente consensual.
Os países que têm desenvolvido um Estado social mais equilibrado são os que têm promovido o seguinte círculo virtuoso, maior liberdade económica leva a maior crescimento económico, que por sua vez permite gerar receitas que sustentem um Estado social pujante e saudável. Por oposição, em Portugal, ao longo dos últimos vinte e cinco anos, temos assistido ao seguinte círculo vicioso, políticas socialistas que transmitem péssimos sinais aos investidores, levam ao marasmo económico, não gerando a economia recursos suficientes que permitam sustentar as necessidades crescentes do Estado Social.
O PS tem-se focado excessivamente em políticas distributivas, desdenhando as políticas amigas do crescimento económico. Assim, temos cada vez mais pessoas a comer uma pequena fatia de um bolo que, em termos relativos, é cada vez menor. É fácil inferir qual é a situação limite de uma dinâmica nesse sentido. Sendo Portugal um membro da União Europeia, este processo ocorre de forma lenta e anestesiada e não da forma abruta de outros países que se focaram em políticas distributivas desdenhando o crescimento. Mas, ainda que de forma lenta, esse processo irá ocorrer, ou melhor está a decorrer. Empobrecemos lentamente, os melhores e mais ambiciosos vão-nos abandonando, e encaramos o cenário com o fatalismo próprio do país do fado, nada fazendo para procurar inverter a trajetória.
Ao contrário das políticas de crescimento, que não são imediatamente populares, e apenas geram resultados no médio prazo, as medidas de distribuição produzem satisfação e apoio imediatos.
Conforme se demonstrou com a chamada do Bloco e do PCP para o arco do poder, o PS é relativamente indiferente a um conceito de interesse nacional, não se importando de o subordinar à sua sede de poder e ao interesse partidário. Para a promoção desse interesse partidário, é pouco provável que agora, ainda que detenha a maioria absoluta, o partido vá encetar a política reformista que o país precisa para dar um impulso à sua economia. Para além da manutenção do poder é difícil inferir verdadeiros objetivos políticos da governação PS.
Concluindo, não me parece especialmente difícil desmontar a narrativa do PS de que é o liberalismo que coloca em perigo o Estado social. É sim a mediocridade que o partido promove que o ameaça e coloca em causa a sua sustentabilidade. Apesar da narrativa não ser válida, é natural que o PS a mantenha e até que tenha algum sucesso na promoção da sua aceitação. Afinal, apesar da nossa democracia ter quase cinquenta anos, ainda há muitos quase-quinquagenários a acreditar no Pai Natal.