Afinal talvez as ideias nacionalistas e conservadoras não sejam assim tão minoritárias. Pelo menos na Alemanha, pelo menos na Turíngia e na Saxónia, os dois Estados situados na ex-República Democrática Alemã, onde houve eleições no passado Domingo, 1 de Setembro.
O partido dito de extrema-direita AFD (Afirmativa pela Alemanha) teve 32,8% dos votos, ficando em primeiro lugar; depois ficou a CDU, Democracia Cristã, com 23,6%; a CDU é de centro-direita, mas em Portugal seria de direita; em terceiro lugar o novo partido, a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), que merece comentário e explicação mais adiante, com 15,8%. Em quarto lugar, veio Die Linke (A Esquerda) que perdeu mais de metade dos votos, caindo para 13,1%.
A fechar ficaram os partidos actualmente no governo em Berlim: os sociais-democratas do SPD do Chanceler Scholz tiveram 6,1%, passando por pouco a barreira dos 5% necessária para ter direito a representação parlamentar; já os Verdes, com 3,2%, e os Liberais com 1,1% não entraram no parlamento local. Ou seja, nesta eleição estadual, a coligação no poder, mal passou dos 10% do voto popular.
Na Saxónia, os resultados não foram muito diferentes: a CDU ficou em primeiro, com 31,9%, seguida pela AFD com 30,6%. A BSW teve 11,8% e o SPD 7,3%.
A Esquerda (4,5%) e os Liberais (0,9%) não entraram. Os Verdes, inspiradores de uma política climática radical, conseguiram na Saxónia passar à tangente os 5%. Num episódio de campanha lamentável, em Dresden, Robert Habeck, vice-chanceler pelos Greens do actual governo, acusou a AFD e a BSW de “serem directamente pagos pela Rússia e por Pequim”.
O Fenómeno BSW
Comentando a acusação e considerando a possibilidade de agir criminalmente contra Habeck, Sahra Wagenknecht, foi dizendo que o vice-chanceler podia ser desculpado, considerando estar perturbado pelo desastre eleitoral do seu partido. Além disso, lembrou que Habeck deveria olhar para os seus telhados de vidro, já que os Verdes, segundo ela, são apoiados financeiramente por empresas de armamento. O que para um partido “verde”, defensor da pureza e limpeza do ambiente, não deixa de ser ou parecer anedótico.
De qualquer modo, Habeck, como ministro da Economia, tem dirigido a produção de armamento na Alemanha, onde empresas como a Rheinmetall multiplicaram a produção e as vendas, graças à guerra da Ucrânia. O fenómeno Wagenknecht é de certa forma extraordinário, mesmo nos tempos extraordinários que a Alemanha e a Europa estão a atravessar. O partido BSW – Bundnis Sahra Wagenknecht – ao qual, com grande originalidade, Sahra deu o seu nome, foi fundado no início deste ano e teve um grande sucesso que, olhando o mapa das votações, parece ter sido sobretudo à custa do partido de Extrema-Esquerda, Die Linke, a que Sahra pertencia.
Filha de um iraniano desaparecido e de uma “madre ragazza”, militante e quadro do antigo partido governante da RDA, estudiosa de Hegel e Marx e da relação filosófica entre ambos, Sahra foi membro do PDS – Partido do Socialismo Democrático – e aí defendeu posições de Esquerda radical, continuando a dizer-se comunista com o Die Linke, partido fundado pelo antigo político social-democrata Oskar Lafontaine, com quem Sahra veio a casar-se.
Tem um Doutoramento em microeconomia e em 2021 publicou um livro, Die Selbstgerechten (Os Hipócritas), que é um ataque em forma à Esquerda liberal, onde critica a hipocrisia dos progressistas da Nova Esquerda que, ao mesmo tempo que exaltam “a diversidade, o liberalismo e a tolerância”, fazem uma guerra aberta à fé, à nação e à pátria, que consideram “sinais de atraso”.
Critica também a “política de identidade” da Esquerda Liberal, que se foca na defesa “de cada vez mais pequenas e bizarras minorias, cada uma das quais foi encontrando uma identidade numa peculiaridade que a distingue da maioria da sociedade, e da qual vai derivar uma queixa de vitimização”. Sahra é uma crítica radical da imigração descontrolada, e defende princípios de igualdade e solidariedade social, mas também de independência e identidade nacional. Critica também a política de aliança militar com a Ucrânia que pode arrastar um conflito com a Rússia, e as sanções que cortaram as relações russo-alemãs com grave prejuízo para a economia do país.
Uma Economia Estagnada
O sucesso do modelo económico alemão assentava numa economia de pequenas e médias empresas, paralela à capacidade de produção industrial e de exportação de produtos de alta qualidade – como automóveis. Mas a quebra no crescimento da economia mundial na pandemia e pós-pandemia, afectou a procura externa, logo o sector exportação; por outro lado a concorrência chinesa, por exemplo nos carros eléctricos, também afectou a indústria automóvel alemã, que representa 800 mil empregos e 5% do PNB. Também a quebra das relações com a Rússia em termos energéticos tem prejudicado a indústria alemã, que representa 20% do PNB. E alguns sectores como a aviação – já que a Lufthansa, à semelhança de outras companhias europeias não pode sobrevoar a Rússia, por medidas de resposta de Moscovo às sanções da EU.
E a Alemanha sofre dos problemas gerais da Europa em termos de crise demográfica, o que explica também alguma permissividade migratória, que contribui para a cólera popular, e os votos na direita e na esquerda identitárias da AFD e da BSW.
Um sinal substantivo e simbólico da crise da economia alemã, a situação na Volkswagen que, pela primeira vez na sua longa história (a companhia foi fundada em 1937) parece considerar o encerramento de fábricas na Alemanha.
Esta possibilidade foi mencionada numa informação do CEO da companhia, Oliver Blume, depois de chamar a atenção para a crise geral e para a “séria situação” da indústria automóvel europeia – sendo a situação da Volkswagen particularmente crítica. E a crise, sublinha-se, permanece apesar de uma série de medidas de redução de custos.
As medidas anunciadas provocaram reacções dos sindicatos e do governo da Baixa Saxónia (há três Saxónias na Alemanha – a Saxónia Anhalt, a Baixa Saxónia, e a Saxónia tout court que foi a eleições), que detém 20% das acções da Volkswagen. A companhia emprega quase 700 mil pessoas em todo o mundo, das quais 300 mil na Alemanha. Além da marca inicial, do “carro do povo” hitleriano, tem no segmento alto a Audi, a Porsche e as mais modestas Seat e Skoda.
Porque é que isto se passa assim? Porque é que afinal na Alemanha, ou melhor na Alemanha de Leste, os nacionalistas e os conservadores não são minorias reaccionárias – como em Portugal – nas concepções de família, ou mesmo nas opiniões sobre as eleições americanas?
A economia é sempre o lado sensível nestas crises e consequências económico-sociais dos entusiasmos globalizantes e de uma economia capitalista financeira que atingiu vastas zonas do emprego industrial não especializado, na Europa e nos Estados Unidos, que criou milhões de desempregados ou empregados precários com baixos salários, perda de estatuto social e ociosidade forçada. O que semeou revolta e protesto. Mas também o entusiasmo das elites euro americanas pela ordem internacional liberal, a cruzada neoconservadora para a impor urbi et orbi, levaram à dissidência e reacção de outras elites e outros quadros. E do povo. E como os partidos tradicionais, intimidados pela correcção política académico-mediática, deixaram cair os valores de orientação da tradição cristã europeia, trocando-os pelas cláusulas do liberal-chick e do progressismo decadente, os novos partidos e os novos líderes nacionais populistas, melhores ou piores que sejam, tiveram um novo espaço.
Linhas Vermelhas
Estas são as questões de fundo, na Alemanha e na Europa. Certo que na Alemanha, o detonador foi a onda migratória de 2015; mas a crise económica europeia, a decadência política, a subordinação aos interesses da administração Biden, o receio de uma escalada do conflito russo-ucraniano, tudo isso está aí a explicar um voto de rejeição e protesto que dá a dois partidos novos – a AFD e a BSK – no seu conjunto, quase metade do voto popular. Apesar de toda a propaganda contra.
Para variar, o Chanceler Olaf Scholz, cuja coligação SPD-Verdes-Liberais andou pelos 10% dos votos populares nas eleições de Domingo, teve a originalíssima reacção de recomendar às forças políticas que “fizessem governos estáveis”, sem “os extremistas da extrema-direita”. Estes extremistas já são, nestes Estados da Turíngia e da Saxónia, 30 a 33% dos eleitores. E se lhes somarmos os eleitores da BSW, cujos princípios em imigração e política exterior são próximos, vão quase aos 50%.
É certo que Sahra Wagenknecht tem dito que o seu partido não pode juntar-se com a AFD; mas no fundo o espírito e os programas aproximam-se em coisas importantes. E nestas coisas importantes – imigração, guerra – o BSW também está muito longe dos partidos do sistema, pelo que fazer um governo estável com eles não vai ser fácil.