O abandono do mundo rural, a proteção inconsequente da elite política, da prática generalizada de corrupção e dos intermináveis lobbies que coexistem entre si, o desprezo pelas classes trabalhadoras, o abraçar desmedido do globalismo e do liberalismo económico… Existem mil e uma razões que explicam (e sempre explicaram) o crescimento exponencial do radicalismo no Ocidente.

Com os intermináveis exemplos históricos do século passado, seria de esperar que a análise do surgimento deste “novo” fenómeno da direita radical europeia passasse, primeiramente, pela reforma das políticas falhadas que deram origem a este sentimento generalizado de resignação, e só depois (muito depois) a uma possível interpretação ética e moral deste mesmo fenómeno. O que observamos atualmente é, para mal dos nossos pecados, o exato oposto. Um oposto alimentado por quem beneficia, diretamente ou indiretamente, da propaganda do medo e da fácil mentira de cariz político, por quem sente a sua casa partidária em eminente via de extinção.

Não são poucas as personalidades que acreditam, genuinamente ou interesseiramente, que dentro de um pequeno espaço temporal, uma considerável percentagem da população de vários países ocidentais tenha acordado com bustos do Mussolini na sua mesa de cabeceira e adquirido um espontâneo sentimento desasseado pelo “autoritarismo fascista” (vá-se lá saber o que quer dizer no contexto atual), em busca de um passado que, apesar de não voltar, não só assegura as necessidades básicas da sobrevivência identitária e nacional, como faz prevalecer os interesses dos mais prejudicados. Não são poucos os que acreditam que este repentino fulgor pela conquista de ordem e estabilidade nada tem a ver com a crescente condição precária e com o diminuir da qualidade de vida que a anterior classe política se certificou que existisse, privilegiando as mesmas elites que tantas lições de moral têm dado à classe dos “reles” e dos “ignorantes.” Que o malvado vírus do ódio, da xenofobia e do racismo, assolou a Europa por pura má-criação humana, descendente de Skinheads e Evola’s, e não porque, de Malmö a Marselha, passando por Birmingham e Molenbeek, existem graves problemas com as comunidades que por lá se estabelecerem, onde a paz e a harmonia não são a realidade do cidadão comum de classe média-baixa.

E se já não chegasse receitar comprimidos de má-criação a um paciente com um tumor terminal, ainda falta uma última etapa: a da perseguição e posterior julgamento inquisitório. Uma perseguição que transborda de ironia, já que, na maioria dos casos, o eleitor em causa foi um regular visitante das grandes casas centristas e conformistas, ou até de partidos comunistas, e uma perseguição que, eleitoralmente, não obteve, até ao momento, qualquer tipo de sucesso, como é observável em Espanha (com o Vox), na Suécia (com o SD), na Itália (com Meloni ou Salvini), na França (com Le Pen), na Hungria (com Orban) e, igualmente, em solo nacional, com o Chega de André Ventura. Não obstante das diferenças estruturais entre os partidos ou personalidades que acabei de mencionar, sendo totalmente errado despeja-los no mesmo saco, o resultado é sempre o mesmo: uma nova oportunidade de dinamizar a área de comunicação destes atores políticos, presenteando-os com mais votos de protesto e com mais indignação e revolta popular (uma justa revolta, diga-se de passagem) contra quem nunca deu o devido valor a estes peões de aparente pouca importância, mas que, nos últimos tempos, deram uma eleição a Donald Trump, permitiram a saída do Reino Unido da União Europeia e dificultaram as contas do processo eletivo em inúmeros países europeus.

Não é difícil depositar um autêntico cartório de culpas a quem se encontra numa posição social tão débil que sente que não tem nada a perder ao votar em partidos ideologicamente radicais. O difícil é assinar a temida carta de confissão pública, que enumera quem errou, onde errou e a magnitude das consequências colossais desses mesmos erros. Enquanto os protagonistas da ação política e da intelectualidade moderna se focarem no efeito, e não na causa, estaremos condenados ao período mais negro deste século, que ainda agora acabou de começar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR