Eu sou especialista em pessoas e em processos de mudança, é o que faço, diariamente, com empresas e indivíduos. E confesso que é com um certo desgosto que confirmo, após sete anos a trabalhar com pessoas, que o melhor motivador do ser humano… é a DOR. E quanto mais doer, mais poderosa é a mudança.

Sócrates (e já agora Ricardo Salgado também) pode ser o melhor que nos aconteceu porque, com esta “pseudo-absolvição”, com a generalizada estupefação do povo, com a descaradíssima e inenarrável trapaça que nos “enfiou” a todos, nos infligiu uma “dor civilizacional” aguda e insuportável. Deixem-me explicar melhor.

Quando os empresários, em geral, começaram a enfrentar a Covid, os Portugueses acharam que eles tinham que se safar… só doía a alguns.

Quando as discotecas fecharam, os Portugueses, em geral, acharam que eles tinham que se safar… só doía a alguns.

Quando os pais tiveram que trabalhar em casa, com filhos ao cuidado, os Portugueses em geral acharam que eles tinham que se safar… de novo, só doía a alguns.

Quando aos trabalhadores informais foi prometido um apoio (que demoraria meses a sair do papel), quando aos enfermeiros e médicos foi negado um aumento, quando aos comerciantes foi fechada a porta, quando aos professores foi negada a possibilidade de ensinar, quando… podem completar, enquanto só dói a alguns, à vez, nada feito.

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Mas há mais: quando um atraso de um dia custa uma multa de dezenas de euros, quando uma portagem de 22 euros de uma Scut gera uma execução fiscal de 470 euros, quando um tribunal demora quatro anos a cobrar uma dívida (e não a cobra), quando um subsídio de desemprego demora três meses a chegar (e vem errado), quando um salário de 2.000 euros custa 4.000 euros mensais a uma empresa, quando um Primeiro-Ministro diz na mesma frase “que sim” e “que não”, quando o vírus que não chegava cá mata um avião de Portugueses por dia, quando as máscaras que não servem para nada afinal são obrigatórias, quando está tudo pronto para a vacinação (pronto para os de sempre!), quando os apoios têm regras impossíveis de cumprir, quando assassinamos estrangeiros no aeroporto, quando roubamos e “desroubamos” armas de paióis, quando mentimos à UE sobre currículos, quando compramos golas anti-fumo que são inflamáveis, quando temos um ano de incêndios mortíferos e quando esse cenário se repete um ano depois… tudo dói, mas nada dói o suficiente a todos para haver mudança.

Com Sócrates, e a sua “pseudo-absolvição” descarada (sim, porque ficaram confirmados os crimes), tudo pode mudar: a dor de ver um Primeiro-Ministro a roubar a todos nós foi sentida como poucas ou nenhumas outras dores das anteriormente experienciadas pelos Portugueses (sim, escrito com letra maiúscula, que todos merecemos respeito pelo nosso esforço quotidiano). Ver alguém que levou Portugal à ruína e que levava uma vida singela de “classe média” à custa da corrupção, a sair livre e sorridente de um tribunal que confirmou os seus crimes, enquanto todos nós pagamos impostos e taxas, multas e multinhas de tudo e mais alguma coisa, sem possibilidade de defesa, é uma dor que afeta a esmagadora maioria de nós. E a dor de ver o nosso sistema falhar de forma tão escandalosa é uma estocada final que a todos pode tocar. Portugal está doente, ficou inequivocamente provado.

A partir daqui cada um faz o que quiser. Só fecha os olhos quem ESCOLHE fechar os olhos, porque a podridão ficou mais que à vista de todos: o nosso país precisa de mudar.

A dor é o maior gatilho para a mudança. Espero que tenha doído o suficiente, para que todos façamos algo, de concreto e positivo, para mudar Portugal. Temos na nossa mão o poder de dizer basta, seja qual for a nossa cor ou convicção política. Eu farei a minha parte, nas próximas eleições (e se nada mudar acabarei a levantar voo para países mais sérios). E tu, o que vais fazer?