Na sequência das propostas apresentadas pelo governo para o mercado habitacional a meio de fevereiro de 2023, muito se tem escrito sobre o assunto e, certamente, muito mais se escreverá, dada a dimensão do intervencionismo subjacente àquelas propostas, bem como o clamoroso ataque à propriedade privada em Portugal que as mesmas consubstanciam.

Neste artigo não pretendo discutir essas propostas – felizmente muitos o estão já a fazer –, mas sim um dos seus pressupostos, que consiste no já lugar comum de partir-se do princípio de que Portugal precisa de mais habitação pública e que tem um stock de habitação pública aquém dos seus congéneres europeus.

Mas será mesmo assim? Precisaremos mesmo de mais habitação pública?

Como veremos, estamos perante duas falácias. E uma má aplicação de dinheiros públicos.

A primeira falácia prende-se com a premissa de que a habitação pública é mais acessível do que a que é proporcionada pelo mercado. Ora, uma mesma casa tem o mesmo custo seja de promoção pública ou privada, porque os seus inputs são os mesmos (terreno, projetistas, materiais de construção, empreiteiro, subempreiteiros, fiscalização de obra, investimento em capital, financiamento, etc.).

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Então, como é possível defender-se habitação de promoção pública como sendo mais acessível?

Só há duas razões.

A primeira é a disponibilização de terrenos públicos a preços abaixo do mercado ou mesmo gratuitamente. No entanto, esses terrenos são de todos os contribuintes, muitos deles de outros municípios. A sua venda a preços de mercado significará mais receitas para o município e, como tal, a possibilidade de alocar esse dinheiro em outras prioridades, na redução do endividamento ou na baixa de impostos. Pelo contrário, a sua disponibilização a preços abaixo de mercado ou gratuitamente significa transferência de riqueza dos contribuintes para os beneficiários do imóvel a construir nesse terreno.

A segunda alternativa é a transferência direta dos impostos de contribuintes para os beneficiários da habitação mais acessível.

Em suma, só há habitação acessível para alguns se outros, os contribuintes, de uma forma indireta ou direta, financiarem essa habitação. Não há outro modo! E como impostos significam menos rendimento disponível dos contribuintes, os quais, muitos deles, também terão custos com habitação, então podemos concluir que habitação mais acessível para uns só se consegue com habitação menos acessível para outros. O que até se poderá justificar por motivos de solidariedade social, nomeadamente quando estamos perante famílias com inequívocas carências económicas.

A segunda falácia é a de que temos substancialmente menos habitação pública do que outros países. Como demonstrámos no artigo Precisamos de mais habitação pública? O caso particular de Lisboa – Observador, tal carece de fundamentação.

Primeiro, porque nas comparações internacionais normalmente usam-se rankings de habitação de interesse social, que pode ser bem diferente da habitação pública, uma vez que a primeira pode ser de facto pública (como acontece em Portugal), mas também pode ser oriunda do terceiro sector ou mesmo privada, neste último caso tendo-se como o melhor exemplo o que acontece nos Países Baixos.

Por outro lado, comparam-se coisas que não são comparáveis. Por exemplo, em Portugal, o maior investimento público para habitação aconteceu com a bonificação dos juros e os incentivos fiscais para a compra de habitação; o que resolveu o problema de milhares de famílias através do apoio à compra de habitação. Outros países, pelo contrário, onde o mercado de arrendamento tem uma maior preponderância, optaram por canalizar os apoios para o arrendamento de habitação de interesse social (de propriedade pública ou privada).

Naturalmente, no primeiro caso já não aparece nas estatísticas de habitação pública, enquanto no segundo aparece. No entanto o investimento no apoio à habitação é relativamente similar.

Assim quando se comparam os 2% de habitação pública em Portugal com os 5% de muitos países (habitação de interesse social que, como já vimos, pode ser de propriedade pública ou privada), estamos a comparar o que não é comparável. Acresce que nas principais cidades, onde supostamente são mais vincados “os problemas da habitação”, o rácio é substancialmente superior, como acontece em Lisboa, com mais de 11% de habitação pública em relação às casas de residência habitual.

Ou seja, em Portugal nem a habitação pública é mais acessível nem o país compara mal com os restantes países europeus no que diz respeito ao stock desse tipo de habitação.

Tal não significa que de facto não existam famílias com habitações indignas e que precisem do apoio do Estado. Na verdade, tal ainda acontece porque existem políticas públicas erradas e má aplicação de dinheiros públicos.

Permite-se que legalmente famílias sem carências económicas continuem a usufruir de habitação pública, pagando rendas irrisórias em casas que deveriam ser canalizadas para quem mais precisa. Investe-se no centro de Lisboa em habitação pública a 400.000 euros o fogo, quando não se cuida convenientemente dos bairros municipais, ao mesmo tempo que se permite que a poucos quilómetros continuem a existir “Bairros da Jamaica”.

Em resumo, SIM à habitação de interesse social, de propriedade pública ou privada, para quem efetivamente precisa enquanto precisa. NÃO às atuais políticas públicas de habitação que não têm resolvido os problemas do acesso à habitação. SIM à habitação de interesse social (Programa de Arrendamento Apoiado) que complemente, quando necessário, um mercado livre e dinâmico. NÃO aos programas atuais de Arrendamento Acessível dirigidos para a classe média, porque, para além de estarem a serem um rotundo fracasso, apenas transferem meios financeiros de uns contribuintes para outros, sem resolveram nada de estrutural.

O caminho é a liberalização, desburocratização e a redução da carga fiscal sobre a habitação, permitindo que esta seja de facto estruturalmente mais acessível. Cabendo ao Estado um papel complementar no apoio às famílias que mais precisam enquanto precisam.