Normalmente, pela minha sanidade e dadas as minhas características minimamente idiotas, não sou muito de abordar temas sérios em plataformas que me possam expor à opinião da generalidade das pessoas. Não por medo ou vergonha das minhas opiniões, mas porque vivemos num período em que distorcer palavras de outros é o prato principal numa refeição que tem polarizado a nossa sociedade de uma forma nunca sentida. Mas, como estamos perto do Halloween e comprei uma capa de Super-Homem, hoje sinto-me confiante para tratar de um tema com que sei que muitos de vós vão concordar. E prometo, mas prometo mesmo que ainda vou falar sobre carros, mas tenham paciência.

Estamos já no 240º dia da “operação militar especial” – que só o é na pequena cabecinha do pigmeu maníaco – e acho que já todos percebemos que o lavar dos cestos ainda está longe, mas o que me preocupa realmente é a forma como tudo isto tem afetado Portugal, a Europa e o Mundo em geral. Em conversas que tenho tido, é fácil de entender o sentimento geral das pessoas que me rodeiam. Um sentimento de desgaste e de uma certa apatia e dormência. Muito sucintamente, a grande maioria das conversas que tenho sobre este assunto acabam com um tímido encolher dos ombros e um desanimado “é o que é”.

Na verdade, e se pensarmos bem nas coisas, esta invasão já seria má o suficiente se não chegasse nos resquícios de uma pandemia, mas chegou. Chegou e fez questão de continuar a viragem na sociedade que o Covid começou, de forma que estamos agora completamente virados do avesso. É talvez para sentirmos um bocadinho daquilo que o pessoal lá na Austrália deve sentir, ao andar sempre virado ao contrário. Ou talvez seja mesmo para sabermos o que é bom para a tosse e para nos tornar mais resilientes.

E que palavra bonita que essa é, não é? Resiliência. Uma capacidade de superar e de recuperar de adversidades que tem sido acenada e atirada para o ar em toda e qualquer comunicação que vem daqueles que nos governam. Temos de ser resilientes e unidos para superar e recuperar desta adversidade e, como bons cidadãos que somos, concordamos. Concordamos, aceitamos e o assunto morre até aparecer mais uma ou outra falcatrua ou incompatibilidade que revolte seis ou sete portugueses durante uns 15 minutos. Depois caem os 125 euros na conta e passa a ficar tudo bem outra vez.

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Quem é que quer mesmo saber se os jovens não conseguem comprar casa ou se uma parte considerável das famílias não consegue pagar os créditos quando hoje há um Porto x Benfica? Quem é que se preocupa com o facto de sermos um dos países onde ter trabalho não significa sair da pobreza atroz? O que interessa é que somos resilientes e que juntos somos mais fortes. Tão fortes que quem nos governa pode sugerir tudo aquilo que lhe apetecer que até nos parece bem. É o nosso fado, de qualquer das maneiras, portanto para quê contrariar? E não, não somos mansos nem nos falta a coragem. Falta-nos a vontade e a crença em real mudança.

Para quê contrariar e para quê pensarmos que o inverno está mesmo para chegar e que não temos um João das Neves para nos ajudar? A solução parece mesmo ser poupar. Poupar em tudo e mais alguma coisa. Poupar na comida, poupar na roupa, poupar na luz, poupar no gás, poupar na água, poupar, poupar, poupar. Poupar ao ponto de não se poder poupar mais. Poupar ao ponto de cortarmos tanto em tudo, que se pensarmos em cortar mais um pedacinho, nem sabemos onde o fazer. Mas nada temam que o que não falta é criatividade aos nossos governantes e eu prometi que ia falar de carros neste texto!

Ora então, o brilhantismo de quem dá ordens levou-os a sugerir que se cumpra um limite de velocidade nas autoestradas de 100km/h, uma redução de 20km/h sobre o atual limite praticado, num esforço para aumentar a poupança de energia. Mas que ideia brilhante! Mas que solução fantástica! Bravo! Como é que os outros países não pensaram no mesmo? Se calhar é por isso que os alemães vão passar este Inverno enrolados em toneladas de mantas e com um bater de dentes ensurdecedor. Têm a mania de andar a assapar nas Autobahn, agora aguentem-se, seus palermas.

Mas eu penso ter uma solução melhor, que poderá ter efeitos muito mais imediatos. E se, numa visão muito ambiciosa, o governo se preocupasse com aquilo que realmente tem de fazer e nos deixasse em paz? E se eles se metessem nas suas vidinhas e deixassem de fazer recomendações palermas e sem sentido? É que isto, fazendo alusão a um programa bem porreiro, é gozar com quem trabalha e acho que estamos todos meio fartinhos de que gozem com a nossa cara.

É que dizem isto como se os preços dos combustíveis não fossem já uma razão suficiente para se andar mais devagar. Dizem isto como se não fossem os principais culpados pelo facto de a população levar um tiro na carteira de cada vez que se abastece o depósito. Parte-nos as pernas, mas depois dizem que podemos usar muletas e acham que tudo está bem! Acham que tudo fica bem com meias sugestões para poupar quando são os principais responsáveis por uma boa parte da população viver salário a salário, sem poder fazer qualquer tipo de planos para o futuro.

Ainda assim, nem tudo é mau. Podiam ter sugeridotodos usarmos transportes públicos, mas alguém lá deve ter levantado o dedo e rematado que as infraestruturas não são assim tão boas e que os serviços são, no mínimo, maus. Vá lá, pelo menos tiveram uma pontinha de vergonha na cara, mas amigos, do fundo do coração. Tenham noção!

Nuno Freitas Faria escreve coisas sobre Fórmula 1 para o Observador e para o Fórmula1Ponto5 e sobre carros em geral para o ClicaCarros.