É pertinente abordar as dimensões objectiva e subjectiva do trabalho em ambos os sujeitos (empregador e empregado). A primeira diz respeito a tudo o que pode ser medido e objectivado, desde a produção, qualidade e resultados, bem como horário, condições laborais, salários, férias, protecção da doença, etc. A dimensão subjectiva relaciona-se com a satisfação e concretização da pessoa e tem sério impacto no desenvolvimento social, familiar, cultural e moral, fundamentais no amadurecimento da personalidade e bem-estar.

Assim, o empregador espera do empregado responsabilidade, honestidade, cumprimento e empenho, bem como disponibilidade e compreensão em situações pontuais de maior exigência, enquanto zelo para fazer prosperar a estrutura onde se integra. O empregado, para além de um salário justo e apropriado ao ofício, que proporcione condições de vida condignas para si e para a sua família, aspira também ao desenvolvimento e reconhecimento dos seus talentos e capacidades, com valorização do seu esforço. Este reconhecimento não tem de ser apenas traduzido na progressão e rendimentos (oportunos enquanto incentivo), mas também em benefícios não remuneratórios (folga, descanso, adaptação do horário laboral às condições de vida pessoais e familiares, etc.) e elogio e gratulação por quem gere. E é desta simbiose, deste entendimento, fundados na confiança e responsabilidade mútuas, que surge a realidade laboral mais profícua na produção de resultados e no bem-estar social. Não acontece a exploração do indivíduo e cada participante é tratado como ser humano que, na sua dignidade, está a desempenhar uma função que complementa a de outros, para construir e fazer crescer projectos, permitindo o sustento e a melhoria das condições de vida.

Insistindo na dimensão subjectiva, importa perceber a importância da Família na concretização do Homem, porque estritamente interligada com o Trabalho.

A Família é considerada célula base da sociedade porque é o lugar primário da humanização da pessoa, onde é chamada à comunhão e solidariedade, num espaço onde pode desenvolver as suas potencialidades e tornar-se consciente da sua dignidade. Na Família, na qual existe uma clara hierarquia, são passados o sentido de justiça e respeito pelos direitos e deveres recíprocos, são transmitidos os valores culturais éticos, sociais e religiosos e, embora distintos na sua individualidade, os membros são unidos num espírito de entreajuda. Ora, se esta realidade da Família vai contra a mentalidade marxista, ela não é mais amiga do liberalismo.

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Por via do marxismo, as propostas sociais focam-se na matéria e não na pessoa humana. Assim, ao propor o colectivismo e igual distribuição de bens, esta ideologia despreza as diferenças e aspirações próprias de cada indivíduo, nomeadamente a de constituir família, e nega-lhe a sua dignidade, tornando-o igual aos demais, e não complementar. Por outro lado, contrariamente ao ambicionado e proposto por esta ideologia, quando as comunidades respondem primeiramente às necessidades das famílias e não ao Estado, este perde autoridade e influência.

Também o liberalismo não tolera a Família porque, por exigir tempo e dedicação, opõe-se aparentemente à maior produtividade do indivíduo (quer no papel de empregador, quer de empregado), sendo vista como um travão ao crescimento económico. Acresce que a competitividade e o egoísmo não são “devidamente” aprendidos nesse berço de vida, amor e colaboração que é a Família, acabando por não “inspirar” na prática profissional. E sentindo-se apoiado fora do ambiente laboral e menos movido pelo sentimento de inveja, o indivíduo é menos corruptível e menos sujeito a aliciamentos, sendo por isso menos útil, numa perspectiva utilitarista de procura desmedida de lucro.

Assim, a família é propiciadora de liberdade para o indivíduo e para as próprias comunidades, travando abusos de poder, quer estatais, quer empresariais.

Quanto à propriedade privada, ela constitui um direito natural, porquanto o Homem dispõe dos bens da natureza, transformando-os e criando novos bens. A propriedade é, na prática, o resultado visível do trabalho e o indivíduo pode, assim, dispor livremente do seu salário, enquanto retribuição pelo seu esforço. Por isso, a colectivização proposta pela ideologia socialista é tão atentatória da dignidade humana, ao negar a possibilidade de converter o trabalho e empenho em frutos, tornando de todos o que diria respeito a um. Certo é que a Igreja Católica propõe “o destino universal dos bens”, mas contrariamente à referida distribuição igualitária e imposta, tal deve resultar do equilíbrio entre a recompensa e a solidariedade. Por sinal, esta solidariedade é aprendida sobretudo no seio familiar, onde o Homem é chamado a compreender o outro e partilhar voluntariamente os seus bens (particularmente quando em excedente), enquanto seu bom uso, para ajudar o próximo nas suas necessidades e em momentos de tribulação.

Com o passar das últimas décadas e conquistas progressivas de direitos laborais, regulados e vigiados, e com o respeito pelo próprio tecido empresarial, enquanto criador de riqueza e de postos de trabalho, alcançou-se, no Ocidente, e em particular na União Europeia, um certo equilíbrio.

Com o crescente liberalismo, percebe-se que não apenas o bem-estar, mas o próprio sucesso económico das sociedades, fica aquém do possível, por ambição desmedida, egoísmo e famílias enfraquecidas. É cada vez mais evidente que a colaboração, com potenciação mútua e genuíno trabalho de equipa em complementaridade, contribui para maior prosperidade empresarial e social, e que a família, para além de propiciar apoio nas dificuldades, também ela auxilia na progressão profissional e construção de carreiras de sucesso. Ou seja, o trabalho e a própria sociedade, em geral, beneficiam daqueles que são os valores assimilados na vivência familiar: relações sólidas e cultura de entreajuda.

Por seu turno, o respeito pela propriedade privada e a autonomia das comunidades, independentes de um Estado que se pretende apenas regulador, supletivo e subsidiário, propiciam o desenvolvimento de políticas e instituição de medidas que visem a dignidade dos cidadãos, com igualdade de oportunidades.

Assim, no Trabalho, a pessoa humana deve constar no centro, enquanto fim e não apenas enquanto meio. A cultura ocidental, fundada na ordem e na moralidade, banhadas pela ética judaico-cristã, tem mostrado que foi este reconhecimento da dimensão humana no Trabalho que conduziu a feitos extraordinários, desde logo sociedades prósperas, desenvolvidas, pacíficas e capazes de dar resposta aos seus próprios problemas, contribuindo para a vida e felicidade dos cidadãos. Numa altura em que se questionam esses mesmos valores, é imperativo que o Ocidente olhe para si e não abdique do que tornou esta civilização na mais evoluída de todos os tempos.

Bibliografia: Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Libreria Editrice Vaticana, 2004; João Paulo II, Papa. Carta Encíclica Laborem Exercens, 14 de Setembro de 1981; Leão XIII, Papa. Carta Encíclica Rerum Novarum, 15 de Maio de 1891.

A autora não reconhece o AO 1990.