Abriram-se as portas! Com preocupação crescente em virtude da crise social e económica que se avizinha, o governo permitiu que os portugueses voltassem à rua. Após mais de um mês de quarentena, o pequeno comércio voltou a abrir, os passeios já podem ser mais longos e até o futebol – ópio do povo – estará de volta no final do mês de maio.

O desempenho do governo e dos portugueses tem sido elogiado a vários níveis nesta primeira fase da pandemia. De facto, os números falam por si. O crescimento diário do número de infetados é reduzido, o número de doentes em cuidados intensivos é cada vez menor e os recuperados começam a aparecer.

Perante esta aparente estabilidade, é possível admitir que este já se trata de um momento adequado para comparar os dados do relatório diário da Direção Geral de Saúde sobre a Covid-19 com as pirâmides etárias da população portuguesa para entender melhor a caracterização demográfica da doença. Na data em que escrevo, o Instituto Nacional de Estatística só apresenta os dados nacionais da população portuguesa, em termos de residentes e óbitos, relativos ao ano 2018. No entanto, assume-se que será esse o padrão em condições normais, acrescido de que 2018 foi o ano com maior mortalidade de sempre em Portugal com 110 573 pessoas.

Os objetivos deste estudo foram então dois. Em primeiro lugar, determinar se o número de “casos confirmados Covid-19” por género e classe etária coincide com a pirâmide da população em Portugal. E, em seguida, perceber se o número de óbitos por género e classe etária da doença Covid-19 coincide com a pirâmide de óbitos registados em Portugal por todas as causas.

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Figura I – Pirâmides etárias: população vs. Casos Covid-19

Na Figura I, é interessante notar que a “população em Portugal” e os “casos confirmados Covid-19” seguem uma distribuição relativamente semelhante na faixa etária entre os 20 e os 59 anos. Estas três classes etárias correspondem a 52,6% da população e contabilizam 59,4% (n=15166) dos casos confirmados. Contudo, existe uma diferença significativa no número de casos confirmados no grupo acima dos 60 anos (35,9%, n=9163) quando comparado com a pirâmide etária da população: 28,3%. No caso dos menores de 19 anos, correspondente a 4,7% (n=1195) dos casos confirmados, também se encontra uma diferença significativa quando comparado com a pirâmide etária da população residente: 19,2%. Isto denota que a doença pode ser assintomática em grande parte dos mais jovens ou que estes não são suscetíveis a contrair a doença.

Figura II – Pirâmides etárias: óbitos vs. óbitos Covid-19

No que diz respeito aos óbitos (Figura II), parece existir uma semelhança no número de óbitos em idades mais avançadas (+70) em ambas as pirâmides etárias: 79,4% na pirâmide “óbitos por todas as causas” e 86,9% na pirâmide “óbitos por Covid-19”. Nesta comparação anterior deve também ser referido que, até ao momento, ainda não se verificaram óbitos em classes etárias inferiores aos 40 anos em doentes Covid-19. Já na pirâmide de óbitos por todas as causas, verifica-se uma percentagem de 3,8% em menores de 40 anos, o que contribui para que a percentagem acima referida seja inferior. Se forem analisados os dados em Espanha e Itália, os resultados são equivalentes, pois mais de 80% dos óbitos nesses países também ocorreram em pessoas com mais de 70 anos.

Com os resultados desta análise, acrescenta-se solidez científica ao que já se tinha vindo a observar: para já, nesta fase, a doença tem atingido mortalmente sobretudo as classes etárias mais avançadas. Apesar do governo querer manter a aparência do “politicamente correto” e incluir todos nas decisões, é importante referir que as gerações acima dos 70 anos deviam claramente continuar a ser mais protegidas e, nesse aspeto, há situações que foram totalmente desconsideradas.

Considere-se, por exemplo, os agregados familiares multigeracionais. Um estudo recente em Itália identificou que cerca de 20% dos italianos entre os 30 e os 40 ainda vivem com os pais e têm relações de grande proximidade com os avós. E muitos deles têm filhos… Todos sabemos que muitos portugueses vivem com “três ou quatro gerações na mesma casa”.

Que soluções existem para estas famílias? Será que conseguem encontrar soluções de habitação para reorganizar os seus agregados familiares de forma a proteger as gerações de maior risco? As empresas onde os mais novos trabalham respeitam estas situações e vão permitir que se continue a trabalhar a partir de casa? E quando estarão disponíveis os testes rápidos? Que grau de confiança se pode ter nos mesmos? É provável que, daqui em diante, os mais jovens sintam grande receio ao voltar do trabalho para casa, sem saber se estão ou não infetados.

Há muito que se faziam sentir as forças económicas de bloqueio à quarentena. O que não era expectável, depois de tanto tempo e esforço, era esta ausência de solidariedade para com as gerações que nos criaram e sempre protegeram.