Adam Smith, considerado o pai da economia moderna e autor da obra fundamental A Riqueza das Nações, revolucionou o pensamento económico ao defender o comércio internacional como motor principal do crescimento. Segundo Smith, quando os mercados funcionam livremente e são apoiados por instituições adequadas, a “mão invisível” guia os agentes económicos para resultados que beneficiam toda a sociedade. Assim, não surpreende que tenha desafiado o mercantilismo, a teoria económica dominante da sua época, que priorizava a acumulação de riqueza através do controlo do comércio e da intervenção estatal.
À medida que nos aproximamos das próximas eleições americanas, o mundo volta a concentrar-se no desfecho deste processo eleitoral. Embora seja inegável que existem diferenças significativas entre os candidatos, há uma característica preocupante que os une: ambos são protecionistas.
Durante a sua presidência, Donald Trump não poderia ter adotado uma postura mais agressiva em relação ao comércio internacional. No seu primeiro mandato, especialmente entre 2018 e 2019, a administração Trump impôs tarifas de 25% sobre aproximadamente 250 mil milhões de dólares em importações e de 7,5% sobre outros 112 mil milhões de dólares em produtos chineses (valor total dos bens), impactando setores-chave como a eletrónica, maquinaria, automóveis e bens de consumo, que foram particularmente visados. Estas políticas tinham para Trump dois objetivos principais: proteger as indústrias nacionais da concorrência estrangeira e incentivar a reindustrialização dos Estados Unidos.
Poder-se-ia pensar que, após quatro anos para refletir, Trump poderia ter alterado a sua visão económica. Nada poderia estar mais longe da verdade. Trump afirmou que, se eleito, aplicará tarifas entre 10% e 20% sobre todos os bens importados, afetando produtos num valor total de mais de 3 biliões de dólares. Além disso, propõe medidas ainda mais rígidas, como uma tarifa de 60% sobre bens importados da China e 200% sobre automóveis importados do México.
Embora as políticas protecionistas de Trump sejam frequentemente notícia, muitas vezes passa despercebido que a administração Biden seguiu uma estratégia económica semelhante, mantendo grande parte das tarifas impostas pelo seu antecessor à China. Em 2022, Biden intensificou as restrições à exportação de chips de computação avançada para a China, visando impedir o desenvolvimento de tecnologias críticas como supercomputadores, veículos elétricos e sistemas de armamento avançados. Em 2023, essas restrições foram reforçadas, com empresas como a Nvidia proibidas de exportar determinados produtos para o mercado chinês.
Também em 2023, Biden anunciou o aumento das barreiras comerciais contra produtos de baixo custo, especialmente aqueles vendidos em plataformas de comércio eletrónico. Até então, produtos abaixo de 800 dólares estavam isentos de tarifas, mas essa isenção foi revista. Além disso, Biden expressou a intenção de triplicar as tarifas sobre o aço e o alumínio chineses, que se cifravam na altura em 7,5%, e de aplicar uma tarifa de 100% sobre veículos elétricos chineses, que estavam sujeitos a uma taxa de 25%. Em maio deste ano, concretizou essas promessas, aumentando as taxas sobre o aço chinês para 25% e sobre semicondutores e produtos médicos de 25% para 50%. Os carros elétricos viram a taxa aumentar de 25% para 100%, tal como prometido.
Kamala Harris, na qualidade de vice-presidente, tem apoiado as políticas da administração atual e, até ao momento, não há indicações claras de que pretenda reverter estas medidas caso vença. Pelo contrário, Kamala referiu durante a campanha que é necessário “responsabilizar a China” (“We have to hold China accountable”) e prometeu assegurar que “a América, não a China, vencerá a competição pelo século XXI”, reforçando assim a continuidade de uma abordagem firme e protecionista na política comercial dos Estados Unidos.
Estas políticas têm repercussões significativas para a economia americana, impactando diretamente o seu crescimento económico. Como nos ensina a ciência económica, a imposição de tarifas e restrições comerciais leva ao aumento dos custos de produção para as empresas americanas que dependem de componentes importados, resultando em preços mais elevados para os consumidores e na redução da competitividade das empresas no mercado global. Além disso, poderá, no longo prazo, desencorajar o investimento estrangeiro e provocar retaliações comerciais, afetando negativamente o volume de exportações americanas.
A adoção de políticas protecionistas tem profundas implicações para a economia mundial, afetando de forma particular a União Europeia, especialmente em setores como maquinaria, produção de veículos e produtos químicos. É possível que estejamos, portanto, a observar uma dinâmica semelhante à que ocorreu durante a Grande Depressão, onde as economias mundiais embarcaram numa estratégia de “empobrecer o vizinho” (beggar-thy-neighbour), adotando políticas protecionistas na tentativa de proteger as suas economias, aumentando tarifas e impondo restrições comerciais. Contudo, antes como agora, estas medidas acabaram por agravar a crise económica global, à medida que o comércio internacional diminuiu drasticamente e as retaliações comerciais se multiplicaram. Além disso, o protecionismo exacerbou as tensões internacionais, contribuindo para um clima de desconfiança que precedeu a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
É neste último ponto que as lições de Adam Smith devem ser de novo escutadas. Além das implicações económicas enunciadas no começo deste artigo, o filósofo escocês foi um grande promotor da ideia de que o comércio entre nações era um meio de promover a paz e a cooperação entre as nações. Ao fortalecer laços económicos, os países tornam-se mais interdependentes e menos propensos a conflitos.
Após décadas em que barreiras foram derrubadas e o mundo se interligou, assistimos, hoje em dia, um pouco por todo o lado, à tentativa de erguer novos muros. No entanto, o século XX mostrou-nos tragicamente que a construção de muros leva a desastres catastróficos. É imperativo que aprendamos com os erros do passado e que optemos por edificar pontes em vez de muros. O futuro económico mundial depende das decisões que tomarmos agora, e as eleições nos Estados Unidos serão cruciais nesse caminho.