“Pobres e mal agradecidos” (expressão popular portuguesa).

Domingo, 11 da manhã. Depois do pequeno almoço metemo-nos no carro para dar um saltinho à praia. São cerca de 3 km, mas a meio do caminho já o trânsito estava parado. Estacionar seria impossível. Voltámos para trás. É chato, mas já volto à chatice, porque por outros lados as indignações são bem maiores.

Por exemplo, por Lisboa, onde todos se queixam dos tuk-tuk, do trânsito, da falta de sossego, do lixo espalhado… Malditos turistas que, ainda por cima contentes e bem dispostos, tanto chateiam o residente que não os quer por perto, e quer é ver proibições – de trânsito, de tuk-tuks, de cruzeiros, de alojamento local…

Ao mesmo tempo, não só gostam da taxa turística, como não faltam ideias para gastar esses milhões – por exemplo um amigo dizia-me no outro dia que poderia ser usado para reconverter o edifício X (há muito património público ao abandono) onde vai nascer um (mais um, foram 40 nos últimos anos na zona de contenção de Alojamento Local) hotel, num centro de dia do qual a população precisa mais que de um novo hotel… Outros querem mais isto, ou mais aquilo, cada um focado no seu umbigo, como o estão também Carlos Moedas ou Rui Moreira.

Lisboa e Porto têm muito turismo… E muita receita turística. Têm também dos mais altos rendimentos per capita do país. Não obstante, são também, entre as autarquias, dos maiores beneficiários do Orçamento de Estado, dos Fundos Comunitários, do PRR…

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Ora face ao subdesenvolvimento e incapacidade de gerar receitas de muitos municípios do interior, não seria desejável em nome do equilíbrio geográfico, da chamada coesão, que em vez de excomungar o turismo aproveitassem as receitas para combater os problemas que têm, libertando verbas para os outros com problemas bem mais profundos?

Neste último lote estão por exemplo alguns dos municípios do Parque Nacional da Peneda Gerês. Mas também aí o turismo incomoda muita gente. Se há uns tempos era o espelho de água de Melgaço a causar indignação entre ambientalistas, agora é o miradouro das cascatas do Tahiti.

Tenho ouvido vários argumentos de alguns amigos, mas acho que esquecem partes importantes no meio disto tudo:

– A visitação de áreas protegidas faz parte de uma estratégia nacional (aliás, saiu há poucos dias um estudo a identificar áreas europeias para rewilding e a receita turística é um dos motores propostos como alternativa económica);

– As obras de melhoramentos para visitação são inclusive candidatáveis ao Fundo Ambiental (mais uma vez alinhados com estratégia nacional);

– Não está em causa a fauna ou flora, as formalidades legais foram cumpridas (parecer do ICN para este tipo de obra), e já agora não se trata de nenhuma fortuna (o preço de um T0 em Lisboa)…

Mas há mais: o Parque Nacional tem zonamento que o divide em Paisagem Natural e em Paisagem Cultural. Se a primeira tem, compreensivelmente, restrições maiores, já a segunda, onde se inclui a obra em causa, tem uma proteção de complementaridade e é onde deve preferencialmente ser fomentado o turismo até como forma de aliviar de pessoas a zona de paisagem natural.

Uma tempestade num copo de água, portanto… (que nem sequer é de estranhar, porque ao mesmo tempo que se fala em diluir o turismo, tudo o que se vê nascer, de miradouros a pontes, de baloiços a praias fluviais, etc. e longe de áreas protegidas, torna-se num foco de contestação)

Voltando às praias da Caparica:

Também é área protegida e também tem moradores, sendo que estes também querem um Agosto tranquilo, tal como os visitantes do Gerês querem o sossego do resto do ano em vez de aturar turistas…

E os moradores de Lisboa, aos quais o turismo enriqueceu valorizando as casas e as zonas em que moram – ou acham que as ruas cheias de comércio se sustentam no Cacém ou em Odivelas apenas pelo consumo dos moradores? – e querem restrições ao turismo para terem sossego e circularem à vontade, o que fazem na Caparica, no Algarve ou no Estrangeiro? (Já agora, quando chamam aos outros turistas de pé descalço, era também de perguntar quanto esbanjam nessas zonas).

Será que também eu enquanto morador de Almada devo pedir à CM para impedir os Lisboetas de vir à praia, acabar com o sossego dos outros e tornar as estradas intransitáveis?

É absurdo? É. Mas e as queixas dos outros são o quê?

Os portugueses parecem esquecer-se com facilidade que não vivem num país rico e que o dinheiro não cai do céu. Por um lado queixam-se de pagarem muitos impostos, mas por outro exigem mais e mais Estado em tudo o que são problemas. Ainda por cima rejeitam o que tem sido muito do motor de crescimento económico após a última crise – Dados de 2022 (Pordata): os portugueses pagaram 36 mil milhões de euros em IRS; o volume de negócio turístico foi de 38 mil milhões.

Acham que não faz diferença porque a União Europeia subsidia-nos em tudo o que precisarmos?

Tenham juízo…