“Porque é que Portugal tem poucas medalhas olímpicas, poucos Nobel, poucos cientistas de topo?” Resposta típica: “É de sermos poucos! Fôssemos mais, teríamos mais campeões.” Será assim?

Vejamos. 

  1. O prémio Nobel. A Suíça tem 7 vezes menos pessoas que a Itália, mas tem o dobro de prémios Nobel.  Os EUA são quem tem mais Nobel nascidos no país, mas não são quem tem mais população. Aliás, China e Índia juntos tem 1/3 da população mundial, mas têm menos Nobel que a Suíça, que aliás tem menos gente que Portugal. Não há relação entre Nobel e o tamanho do país.
  2. Nas medalhas olímpicas. A Hungria ou a Suécia são tão grandes como Portugal, mas têm 20 a 25 vezes mais medalhas que nós. O Paquistão tem 20 vezes mais pessoas que Portugal e tem um terço das nossas medalhas. A Chinatem 140 vezes mais gente que a Suécia, mas menos medalhas.

Que aconteceria se, em Portugal, o problema fosse a quantidade?

Se fosse assim, deveriam aparecer atletas medalháveis nas modalidades mais variadas. Mas não: 4/5 das nossas medalhas estão concentradas em 6 modalidades. Será que os génios nascem aos pares?

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O caso curioso da Universidade de Stanford

Stanford tem apenas 16.000 alunos e em Tóquio-2021 ganhou tantas medalhas (26) como Portugalganhou em cem anos a participar nas olimpíadas.

Stanford totaliza 302 medalhas (só há 13 países a ganhar mais medalhas que esta universidade).

Um adepto da teoria “quantidade é qualidade” tentará explicar que Stanford, a segunda melhor universidade do mundo, atrai os melhores atletas dos EUA e é por isso que ganha muitas medalhas.

Parece uma “explicação que explica”… até conhecermos alguns factos:

  1. Stanford ganha em poucas modalidades e sobretudo em senhoras; se os melhores são atraídos para lá, não deveria ter um leque vasto e proporcional de bons atletas?
  2. Stanford tem muitas modalidades em que não ganha medalhas nenhumas.

Fazer Escola: “make school not war…”

Fazer Escola (com maiúscula) é cruzar, numa mesma comunidade de pessoas interessadas, um conjunto profundo de saberes e experiência, e também governança, relações interpessoais de qualidade, know how, domínio das variáveis relevantes e sua transmissão, tradições virtuosas, política sustentável e esclarecida de desenvolvimento e aquisição de meios, etc. É uma teia muito delicada e frágil.

As medalhas e records que Portugal teve no fundo (em homens e mulheres) não resultaram do acaso feliz de nascerem aqui atletas excecionais; foi a Escola de fundo portuguesa que ofereceu condições excecionais de desenvolvimento de todo o seu potencial a atletas como Carlos Lopes, Rosa Mota, António Leitão, Fernando Mamede, Fernanda Ribeiro, Manuela Machado, Domingos e Dionísio Castro, Sérgio Paulinho, Rui Silva, etc.. Não fomos nós a ter sorte com o seu nascimento. Eles é que tiveram a sorte de ter imenso potencial precisamente na área em que Portugal tinha Escola.

E algo se passou para perdermos essa Escola (seja ao nível da transmissão, seja na sustentabilidade dos meios, etc.).

Portugal dá cartas em futebol (de 11, de 5 ou em treinadores) porque tem Escola de jogadores e treinadores, uma Escola que começa nas ruas e vai até aos centros de alto rendimento. O mesmo se diga do hóquei, e em mais algumas.

Portugal ou Stanford ganham nas áreas em que têm Escola. Mesmo que importassem talentos, jovens e promissores, provenientes do mundo inteiro, só os conseguiriam transformar em campeões nas áreas em que têm Escola. 

Os EUA ganham mais medalhas e em mais áreas que qualquer outro país, não por serem mais, nem por serem melhores, mas por terem feito Escola em muitas modalidades.

Dão cartas no cinema, nos Nobel, na música, etc., sempre pela mesma razão: é talvez o país do mundo que melhor percebe a importância da Escola, onde a primeira coisa que os pioneiros fizeram ao fundar uma povoação, foi instalar a escola.

Num país com 250 anos, a universidade mais antiga (Harvard) é de 1636, sendo mais antiga que todas as portuguesas, exceto Coimbra. No top 10 das universidades, 8 são americanas.

A explicação típica para que os EUA sobressaiam muito mais que Portugal em música, cinema, ciência ou desporto é quase sempre a quantidade de pessoas, mas essa explicação é falsa.

Portugal bateu americanos nas provas de fundo em atletismo não por ter mais pessoas, mas por ter uma Escola melhor. Portugal bate americanos em futebol, não por ter mais pessoas mas por ter uma Escola melhor. Mas o nosso problema não são as Escolas que temos, são as que não temos. O problema não é nascerem poucas pessoas com potencial. O problema de Portugal é não ter Escolas para desenvolver o potencial de quem nasce.

Uma tirada de Einstein a não “relativizar”   

No final do século XIX e início do XX, as universidades alemãs dominavam a ciência mundial; a joia de uma coroa científica muito rica era o Departamento de Matemática de GÖttingen.

Einstein queixou-se no final da vida que em Princeton nunca conseguiu produzir como na Alemanha pois “faltavam-me os colegas do Departamento de GÖttingen”, a Escola matemática por excelência.

Ora aqui vai uma história para afixar em gabinetes de ministros, em salas de conselhos de administração, em autarquias, em escolas, etc.

A Alemanha nazi também tinha orgulho neste departamento, mas incomodava-a haver lá uns poucos judeus, que foram expulsos.

Tempos depois, o ministro responsável por essa decisão cruzou-se com o então patriarca da matemática mundial, David Hilbert, e perguntou: “Corre o rumor de que o departamento de GÖttingen se ressentiu um pouco do saneamento dos judeus; é verdade?Hilbert respondeu: “Esse rumor é completamente falso: o departamento está morto”. Mas os que ficaram não eram bons? Eram, mas ser bom só não basta pois uma teia delicada de relações, know how, tradições e saberes, quando perde um nó, perde o Norte.

Isto é: custa muito (em tempo, meios e sorte) construir uma Escola  e custa ainda mais construir uma escola que perdure para lá da morte dos seus fundadores e impulsionadores. Já destruir uma Escola é muito fácil. Reerguê-la custa imenso e pode nunca voltar a conseguir-se, tal como GÖttingen nunca recuperou o seu lugar cimeiro.

Foi, por tudo isso, incompreensível ver Portugal fechar em cadeia, ao extinguir os contratos de associação, escolas que eram, muitas delas, as melhores do concelho ou distrito onde serviam toda a população e não apenas filhos de pais ricos.

Vejamos o lugar de algumas dessas escolas nos rankings anteriores à sentença de morte aplicada em 2016:

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Em 2016 justificou-se com poupança de dinheiro quando uma turma nestas escolas custava ao Estado 80.500 euros enquanto na escola “do outro lado da rua” custava ao Estado 103 mil euros em 2015 e custa hoje 136 mil euros.

Querer ver melhor para ver mais

Uma pessoa, uma organização ou um país medem-se pela qualidade do seu propósitoPortugal será grande se o seu propósito for a Escola.

Hoje nasceu em Portugal a Ana com potencial para chegar ao topo em alguma coisa (matemática, ténis, violino, treinadora de cavalos, pintora, seja o que for). Só o vai conseguir se em Portugal houver Escola na área do seu potencial.  Terá sorte se tiver potencial para ser futebolista ou hoquista. Terá azar se o seu potencial for na maioria das outras áreas. Custa dizer. Mas custa muito mais não o fazer.

Portugal está a falhar com fragor aos futuros portugueses. Não por sermos poucos e nascermos com pouco potencial, mas por não termos a Escola que o desenvolva.

A imensa quantidade de disciplinas em que não ganhamos “medalhas” dá a medida inteira das Escolas que não temos. É o grito dos bebés com potencial comprometido a tentar acordar Portugal. Haja propósito. FazerEscola.