O MENAC (Mecanismo Nacional Anticorrupção) foi um organismo criado em 9 de dezembro de 2021, no âmbito da Estratégia Nacional Anticorrupção do Governo e que “tem como missão promover a transparência e a integridade na ação pública e de garantir a efetividade de políticas de prevenção da corrupção e de infrações conexas”.
Um ano e meio depois da sua criação, no passado dia 6 de junho de 2023, foi finalmente publicada a portaria que declarou a instalação definitiva do MENAC, reunidas que estão as “condições humanas e materiais necessárias ao pleno funcionamento”.
Contudo, logo no dia seguinte, reconheceu o Presidente do MENAC, em entrevista concedida à Lusa, que “as instalações tecnológicas não estão completas”. Mais tarde, em declarações prestadas no podcast “Justiça Cega” do Observador, referiu que, afinal, o organismo “apesar do tempo decorrido ainda continua em fase de instalação”.
De facto, são muitos os desafios com que, a nível do combate ao fenómeno da corrupção, o Estado português ainda se depara.
Para que se tenha noção, a referida Estratégia Nacional Anticorrupção foi uma resolução aprovada pelo Conselho de Ministros em Abril de 2021 e que estabeleceu como prioridades, resumidamente:
- prevenir e detetar riscos de corrupção na ação pública;
- comprometer o setor privado no combate à corrupção;
- reforçar a articulação entre instituições públicas e privadas;
- melhorar os tempos de resposta do sistema judicial;
- divulgar periodicamente informação sobre corrupção;
- cooperar no plano internacional no combate à corrupção.
Todavia, de acordo com o relatório publicado no passado mês de junho pela GRECO (Grupo de Estados Contra a Corrupção), Portugal apenas adotou, totalmente, 3 das 15 recomendações do Conselho da Europa para o combate à corrupção em 2022. Sendo que, em comparação com o relatório do ano anterior, pouco ou nada mudou.
Quanto ao referido “comprometimento do setor privado”, faz-se constar da Estratégia Nacional Anticorrupção que “as empresas têm de assumir a centralidade do seu papel na promoção e defesa da ética nas relações entre o setor público e o setor privado, bem como nas relações comerciais dentro do setor privado (…). Não há corrompidos sem corruptores”.
Nesse sentido, a principal medida adotada pelo Governo foi aprovar, em finais de 2021, um Decreto-Lei que passou a obrigar todas as empresas com 50 ou mais trabalhadores que implementassem planos de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas, assim como códigos de conduta, programas de formação interna, canais de denúncias e, ainda, que designassem um responsável para o cumprimento normativo (o chamado “compliance officer”).
Trata-se de uma medida que, do meu ponto de vista, é claramente positiva, até porque, em Portugal, ainda se vive muito o sentimento de que a corrupção é algo que diz respeito, apenas, ao setor público.
No entanto, confesso que ainda não consegui perceber a lógica de se ter estabelecido o limite para a criação de mecanismos anticorrupção nos 50 ou mais trabalhadores.
De facto, não será por uma empresa ter nos quadros 60 trabalhadores que passa a estar exposta a um maior risco de eventuais práticas de corrupção do que se tivesse, por exemplo, apenas 30. E também não é por uma empresa ter 90 trabalhadores que, automaticamente, a sua organização será mais complexa do que se tivesse só 45.
A meu ver, o que é determinante para que se propicie o risco é o tipo de atividade a que a empresa se dedica. Há determinadas atividades que, em si mesmas, serão aptas a fazer com que aumente o risco de ocorrência de corrupção, designadamente por haver um elevado nível de exposição às entidades públicas.
Um exemplo: se, nos dias de hoje, tanto se fala sobre processos criminais em que se investigam alegadas más práticas no âmbito de concursos públicos lançados pelo Estado e as autarquias locais, ou até de ajustes diretos em que se põe em causa o racional seguido ou o preço praticado, não vejo, desde logo, porque não há-de passar a ser obrigatória a existência de programas anticorrupção.
Se uma determinada empresa – tenha ela 1, 5, 30, 100 ou 1000 trabalhadores – pretende relacionar-se com o Estado ou com as autarquias e celebrar um contrato, recebendo fundos públicos, deve no mínimo demonstrar que implementou medidas para a prevenção de riscos de corrupção, designadamente um código de conduta, formação a trabalhadores, etc. Caso contrário, a sua proposta nem sequer é tida em consideração ou levada a concurso.
O mesmo há a dizer em relação às candidaturas a programas de apoio financeiro público (subsídios e incentivos). Quando o Governo anuncia, por exemplo, linhas de financiamento para o apoio ao investimento das empresas em áreas como a sustentabilidade, ambiente, invocação e turismo, e se, em determinadas situações, os fundos concedidos até podem passar a ser convertidos a fundo perdido, porque não passar a impor como condição de acesso a existência de sistemas internos de combate à corrupção?
Isso, sim, é que serviria como incentivo ao dito “comprometimento do setor privado” no domínio da prevenção da corrupção, muito mais que a mera fixação de coimas para as empresas que não cumpram.
Além disso, pode fazer sentido excluir a responsabilidade penal da empresa enquanto pessoa coletiva, se a mesma implementar um sistema de prevenção de riscos adequado. Atualmente, isso não resulta expresso na lei, mas se resultasse seria um importante incentivo.
É óbvio que, só por si, a existência destes sistemas internos anticorrupção não assegura que não se pratique crimes. Mas também não é esse o objetivo. A lógica é a de garantir uma maior transparência. Julgo que todos estamos de acordo que, se falamos de empresas que vão receber e gerir fundos públicos, é natural que o Estado exija que, como condição prévia, demonstrem que são idóneas e que estão munidas de procedimentos de controlo, para tornar mais transparente a sua atividade.
Por outro lado, começa a tentar-se mudar a cultura. Através da formação dos trabalhadores sobre o que podem e não podem fazer, divulgando-se procedimentos e explicações, contribui-se para quebrar o ciclo vicioso em que se vive.
Curiosamente, no recente Eurobarómetro Especial sobre Corrupção, cerca de um quinto dos inquiridos em Portugal referiu que considera aceitável dar um presente ou fazer um favor para “obter algo da administração pública ou um serviço público”, quando, de acordo com a lei penal, a oferta de vantagens a funcionários públicos (sejam elas quais forem – patrimoniais ou não patrimoniais) poderá constituir um crime.
Além disso, há outra coisa que não compreendo na lei atual, que é o facto de o Governo ter deixado de fora os partidos políticos.
E isto, não obstante, de acordo com o mesmo Eurobarómetro Especial sobre Corrupção, os portugueses terem respondido que consideram os partidos políticos como as instituições em que é mais comum a prática de “subornar ou ser subornado e o abuso do poder em benefício pessoal”. Cerca de dois terços dos inquiridos transmitiram essa sua convicção.
Talvez não haja conhecimento generalizado disso, mas os membros dos órgãos executivos dos partidos políticos integram aquilo que se dá o nome de “pessoas politicamente expostas”.
Sendo que, por esse motivo, prevê a legislação relativa à prevenção do branqueamento de capitais e combate ao financiamento de terrorismo que os bancos, por exemplo, tenham de escrutinar de forma reforçada as contas de que essas pessoas são titulares, obrigando-os até a comunicar às autoridades as operações que considerem suspeitas, nomeadamente recebimentos de valores.
Não quero com isto afirmar que os partidos políticos são instrumentos para a prática de crimes, como é evidente. Mas parece-me claro que, se se considera que as empresas privadas com 50 ou mais trabalhadores, independentemente da sua atividade, geram preocupação suficiente para que sejam obrigadas a implementar mecanismos anticorrupção e formar os seus quadros, então ainda mais risco haverá quando falamos das instituições que integram as pessoas que, no futuro, podem ser os nossos governantes.
Não se irá, com estas medidas, erradicar todos os atos de corrupção, como já lembrei. Isso só se adquire com mudanças de cultura. Mas é, sem dúvida, mais um passo na direção certa.